Não sei dizer ao certo o motivo, mas a verdade é que não lembro de tantas adaptações de uma obra clássica em tão pouco tempo como aconteceu nos últimos 2 anos com Pinóquio. Tivemos a péssima versão italiana dirigida por Matteo Garrone e com Roberto Benigni como Gepeto; a fraquíssima versão da Disney+ onde nem os ícones Robert Zemeckis e Tom Hanks conseguiram salvar; e ainda uma versão em desenho animado do leste europeu que dizem ser a pior de todos os tempos.
Para fechar, finalmente temos o que parece ser a sua melhor versão. Não é à toa, o mestre Guillermo del Toro (“Beco do Pesadelo“) está à frente pela primeira vez dirigindo uma animação que aqui se utiliza a técnica de stop-motion. Ele se inspirou no livro clássico, mas fez a sua própria versão com trechos inéditos da história.
Enquanto na maioria das histórias Gepeto faz um boneco com muito amor, dessa vez foi a dor da perda de seu filho Carlo (provavelmente uma homenagem ao autor da obra, Carlo Collodi) que o fez produzir num de seus acessos de fúria um boneco de madeira de pinho, justo na noite em que o Grilo Falante chega em sua casa, cena que se assemelha muito ao clássico “Frankestein”. Ao invés da fada azul, temos um espírito da floresta que transforma o boneco numa criança que então começa a sua saga aprofundando-se em seu relacionamento com Gepeto, ao mesmo tempo em que vive num mundo pouco antes da 2ª Guerra Mundial com Mussolini já tido pelo povo como um grande líder, onde, aqui, o contexto histórico é bastante relevante.
Tudo aqui é melhor do que a maioria das adaptações: a relação de pai e filho que é muito explorada; ou as desventuras de Pinóquio que seguem uma continuidade sem nunca se tornar episódica e, vez ou outra formando uma rima narrativa; e até mesmo algumas liberdades artísticas como tudo o que gira em torno da essência da mentira que faz o nariz de Pinóquio crescer: “A mentira é como o nariz, que quando cresce, tudo mundo vê, menos quem a conta”.
Há uma excelente analogia entre Pinóquio e Jesus, criando um arco de relevância entre amor, política e religião que pautam muito de seu desenvolvimento.
Também talvez tenhamos o melhor Pinóquio, seja em personalidade, seja na dublagem do pré-adolescente Gregory Mann. Del Toro parece ter estudado muito a complexidade do protagonista sem se render ao óbvio e simplesmente coloca-lo para tomar atitudes injustificadas ou de impulso.
Um detalhe interessante é que há uma pitada musical no filme, mas que quase nunca é definitiva, sempre parando no meio para dar espaço para a narrativa, o que acabou tornando-a mais dinâmica e um golaço do maestro Alexandre Desplat (“O Rei Perdido”). Entretanto nos créditos finais, vemos um ótimo número musical do Grilo Falante interpretado pelo sempre competente Ewan McGregor que aqui retorna a seus gloriosos tempos de “Moulin Rouge”.
A história é tão bem contada e o desfecho tão emocionante – dando um novo enfoque ao “Felizes para sempre” – que a gente até esquece de apreciar o quão bela foi a arte de stop motion com algumas ótima sequencias como a do peixe gigante ou a do campo de guerra para garotos.
“Pinóquio” finalmente tem uma nova e excelente história para ser vista e recontada, muito coerente, artisticamente impecável e com a emoção no ponto certo para agradar à toda a família.
Curiosidades:
- Como a produção levou muito tempo para ser completada, a voz de Gregory Mann começou a ficar mais grossa devido à sua entrada na adolescência e teve que ser editada através de Inteligência Artificial para continuar igual ao que era no início da produção.
- A animação em stop motion mais longa de todos os tempos.
- Todos os personagens foram feitos à mão com exceção de Pinóquio que foi feito em uma impressora 3D.
- Propositalmente Alexandre Desplat exigiu que todos os instrumentos para a trilha sonora fossem feitos de mandeira.
- Narizes grandes são associados com mentiras no filme e por isso, o vilão Conde Volpe é o único com narigão.
- Há uma cena em que Pinóquio se esconde no armário de Gepeto e há um par de luvas azuis que se parecem muito com as luvas brancas que o Pinóquio da Disney usa.
***SPOILERS – SÓ LEIA DEPOIS DE TER ASSISTIDO AO FILME***
- No início do filme a estátua de Jesus aparece sem o braço esquerdo. No terceiro ato, Pinóquio também perde o braço esquerdo, fazendo assim uma rima narrativa.
- O filme começa e termina com um pinho caindo de um pinheiro.
Ficha Técnica:
Elenco:
Ewan McGregor
David Bradley
Gregory Mann
Burn Gorman
Ron Perlman
John Turturro
Finn Wolfhard
Cate Blanchett
Tim Blake Nelson
Christoph Waltz
Tilda Swinton
Tom Kenny
Direção:
Guillermo del Toro
Mark Gustafson
História e Roteiro:
Guillermo del Toro
Mark Gustafson
Produção:
Alexander Bulkley
Corey Campodonico
Guillermo del Toro
Lisa Henson
Gary Ungar
Fotografia:
Frank Passingham
Trilha Sonora:
Alexandre Desplat