Guerra Civil (“Civil War”)

Se este filme que retrata uma hipotética guerra civil nos EUA fosse lançado há 15 anos, a expressão “futuro distópico” viria de pronto à nossa mente. Porém a sagacidade do diretor Alex Garland de “Faces do Medo” em entender o momento de polarização política e radicalismo ao qual o mundo está passando, o fez escrever uma história que não parece tão longe de algum dos caminhos que a humanidade possa tomar, e ainda conta jornadas muito humanas.

Por isso o primeiro acerto dele foi já começar o filme na situação de guerra: em momento algum é explicado a construção da situação ou o estopim que desencadeia a guerra, justamente porque o radicalismo já se fixou no imaginário do espectador.

Nesse contexto, onde as tropas do oeste se aproximam de Washington para tentar arrancar o Presidente de sua posição, três repórteres de guerra fazem um trajeto perigoso em busca da história final da vitória ou derrota dos rebeldes.

Os três personagens representam exatamente os três momentos diferentes de um repórter de guerra: Kristen Dunst de “O Ataque dos Cães” é Lee, uma fotógrafa renomada, mas que já começa mostrar sinais de colapso em meio a tanta violência e decepções depois de ter coberto tantas guerras; nosso brasileiríssimo Wagner Moura de “Agente Oculto” é Joe, repórter que parece estar no auge de sua carreira com cargas de adrenalina percorrendo seu corpo a cada perigo, quase que se deleitando com os momentos, mesmo tendo a seriedade e o profissionalismo nesse delicado contexto; e a apaixonante Cailee Spaeny, recentemente vista em “Priscilla” é Jessie, fotógrafa novata que tem Lee como uma inspiração, querendo chegar um dia a seus pés, mas ainda com todos os receios de uma iniciante.

No aspecto geral, a obra contém incríveis cenas de ação que traduzem até onde o ser humano é capaz de deixar de ser humano, perante a adversidades inimagináveis, como uma guerra. Garland acertou de novo, fazendo um filme com violência gráfica ao extremo, quase como se estivesse documentando uma guerra de verdade. Seu estilo de filmagem misturando a terceira pessoa com as fotos tiradas pelos repórteres é eletrizante e consegue ser dinâmico ao mesmo tempo em que capta e absorve momentos chave em pleno caos. Inclusive contém uma das cenas mais tensas do cinema de 2024, a qual conta com o marido de Kristen Dunst, Jesse Plemons (“Assassinos da Rua das Flores”) usando óculos vermelho.

No aspecto intimista, a produção é como se o espectador fizesse um trajeto emocional indo de Lee até Jessie, entre o esgotamento total e a visão de criança onde tudo é novidade. Também funciona como passagem de bastão entre as duas personagens que culmina num último ato chocante.

Dito isso, é importante frisar que Wagner Moura brilha, pois impõe sua presença em tela, mesmo que o filme seja mais sobre a relação entre Lee e Jessie do que sobre ele. Mas Moura põe o pé na porta educadamente e atua com brilho, sem melindres, como alguns dos grandes do time A de Hollywood.

Dentre as várias cenas emblemáticas de “Guerra Civil”, a dos créditos finais como se revelasse um negativo é crucial para se entender a natureza humana. Talvez uma das grandes conquistas do filme, além da direção e técnicas impecáveis é justamente retratar essa natureza humana quando puxada para extremos. Os mesmos extremos para os quais estamos caminhando.

Curiosidades:

  • Jesse Plemons se juntou ao elenco depois que o ator que iria fazer esse papel desistiu e Plemons estava cuidando dos filhos, enquanto sua esposa Kristen Dust filmava e daí ela sugeriu ele como substituto.
  • Após as filmagens Kristen Dust teve stress pós traumático e teve que fazer terapia.
  • As balas de festim eram carregadas 100% para que o som parecesse o mais real possível. Pelas regras de Hollywood para conter o perigo de feridas, as balas de festim são carregadas com apenas 25% da substância.
  • Há uma cena em que um personagem diz que Missouri é chamado de “Show me State” que traduzido fica o Estado “Me Mostra”. Isso veio porque na época do garimpo de ouro a mão de obra de escravos e migrantes era trazida de fora, por conta de uma greve recorrente dentro do Estado, e os nativos sempre tinham que “mostrar” (ensinar) as melhores técnicas para extrair o ouro.
  • As cores amarelo, azul e rosa são vistas em várias cenas (pixações de muro, etc) que significam símbolos de revolução.
  • Muitos dos soldados no filme são veteranos contratados para serem os mais realistas possíveis.
  • O personagem de Wagner Moura, Joel, diz que é americano da Flórida, mesmo tendo claramente sotaque brasileiro. Como a Flórida é onde há a maior colônia de brasileiros nos EUA, é possível que na história de seu personagem ele tenha nascido nos EUA, mas filho de brasileiros ou passado um tempo no Brasil.

Ficha Técnica:

Elenco:
Kirsten Dunst
Wagner Moura
Cailee Spaeny
Jefferson White
Nick Offerman
Jesse Plemons
Nelson Lee
Evan Lai
Stephen McKinley Henderson
Vince Pisani
Jess Matney
Greg Hill
Edmund Donovan

Direção:
Alex Garland

História e Roteiro:
Alex Garland

Produção:
Gregory Goodman
Andrew Macdonald
Allon Reich

Fotografia:
Rob Hardy

Trilha Sonora:
Geoff Barrow
Ben Salisbury

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