Triângulo da Tristeza (“Triangle of Sadness”)

Quando começou, pensei que estava vendo um filme com o Caio Castro, porque logo após os créditos iniciais, um jovem casal está num restaurante discutindo quem vai pagar a conta.

Brincadeiras a parte, a produção é de um humor negro misturado com uma crítica social onde o diretor sueco Ruben Östlund brinca com simbolismos, beirando um absurdo artístico que atrai tanto pela afinidade da proposta com os nossos tempos quanto pela sua própria morbidez.

Começa intimista e se expande em três atos: Harris Dickinson de “Veja Como Eles Correm” e a top model e atriz novata Charlbi Dean são o casal Carl e Yaya, modelos e influencers, sendo que na indústria da moda, ela ganha mais do que ele.

Quando saem num cruzeiro para estreitar seus laços, uma série de eventos toma conta da narrativa que faz com que a hierarquia formal entre ricos e pobres, donos e serviçais se inverta mostrando a verdadeira face de cada um.

O diretor usa suas metáforas desde o título onde o número 3 percorre toda a história: os 3 lados de um triângulo, os 3 atos da narrativa, os pequenos triângulos de relacionamento que a história vai formando e dissolvendo ao longo dos acontecimentos, entre outros sinais.

Ele busca sempre a inquietude: repare como sempre que há um diálogo mais delicado, também há sempre um barulho que parece tornar ainda mais desagradável o assunto, seja o do para-brisa de um táxi, o choro de um bebê, moscas sobrevoando as pessoas, ganidos de animais, etc. É como os personagens passassem por provações subliminares que os ajudam ou atrapalham na dinâmica com os demais.

Tudo no roteiro gira na inversão de valores: há o casal de velhinhos amorosos que na verdade são fabricantes de armas, o oligarca russo que parece ameaçador, mas é gente boa, a servente submissa, mas ressentida, esperando ávida uma chance de se provar, entre outros. O que a história proporciona é engendrar situações onde essas inversões possam vir a tona.

Contém algumas cenas desde já antológicas como a do restaurante com as melhores sequências de vômitos vistas desde a já cult de “Tangerina”; ou então o desfecho embalado pela improvável música eletrônica de “Fred Again…” onde o espectador vai precisar fazer um ótimo exercício para entender o que houve ou até mesmo desenhar seu próprio final.

Aí sim, o diretor acerta em cheio na subjetividade, colocando uma lacuna de tempo entre as duas últimas cenas para que o público possa completar.

Triângulo da Tristeza” é um retrato social no seu extremo travestido numa ótima comédia de humor negro que traz uma boa dose de reflexão para quem tem a consciência da atualidade.

Curiosidade:

  • A bela atriz Charlbi Dean que Yaya faz a namorada de Carl, faleceu em agosto de 2022, pouco depois da estréia do filme em festivais de cinema pelo mundo afora. A causa da morte não foi divulgada, mas especula-se que ela teve uma infecção pulmonar, já que ela perdera o baço num acidente de carro há anos e era fumante. A infecção foi classificada como doença súbita. Inclusive a cicatriz da cirurgia de retirada do baço pode ser vista em várias cenas do filme.
  • O iate onde o acontece o 2º ato pertenceu à bilionária família Onassis.
  • O diretor fazia cerca de 20 tomadas para cada cena.
  • No background do personagem de Carl, foi dito que antes de ser modelo, ele era mecânico. Por isso, Harris Dickinson fez uma intensa pesquisa sobre carros e a profissão de mecânico. Só que isso nunca foi usado no filme.
  • Outro fora de Dickinson: o diretor disse que Carl levava na bagagem o livro Ulisses de James Joyce. Diligente, o ator leu o livro inteiro, só para depois saber que essa informação não iria servir de nada no filme. Só de brincadeira, na cena em que ele está tomando sol com a namorada, ele aparece lendo o livro.
  • Dickinson levou o papel concorrendo com mais de 120 atores.
  • O casal de velhinhos amorosos que são traficantes de armas se chama Winston e Clementine. Uma menção ao ex primeiro ministro britânico Wisnton Churchil e sua esposa Clementine Churchil.

***SPOILER – SÓ LEIA SE TIVER ASSISTIDO AO FILME***

  • Apesar de não ser confirmado pelo diretor, em coletiva de imprensa a atriz que faz a servente Abigail disse que no final, sim, ela mata Yaya para poder manter seus privilégios mesmo que seja por mais um tempo.
  • Daí subtende-se que a cena seguinte, quando Carl corre desesperadamente pela ilha pode significar: ou que Abigail voltou dizendo que Yaya se perdeu; ou que Abigail tenha mesmo dito que Yaya morreu numa queda; ou que ele tenha seguido elas de longe e visto Abigail matar Yaya.

Ficha Técnica:

Elenco:
Harris Dickinson
Charlbi Dean
Vicki Berlin
Dolly De Leon
Alicia Eriksson
Woody Harrelson
Zlatko Buric
Sunnyi Melles
Carolina Gynning
Iris Berben
Amanda Walker
Oliver Ford Davies
Ralph Schicha
Henrik Dorsin
Arvin Kananian

Direção:
Ruben Östlund

História e Roteiro:
Ruben Östlund

Produção:
Philippe Bober
Erik Hemmendorff

Fotografia:
Fredrik Wenzel

Trilha Sonora:
Mikel Cee Karlsson
Ruben Östlund

Avaliações dos usuários

Não há avaliações ainda. Seja o primeiro a escrever uma.

Avalie o filme

Share on whatsapp
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on email
Share on telegram