Cate Blanchett, de “O Beco do Pesadelo” é uma força da natureza, que não precisa mais provar nada a ninguém. Ainda assim, ela se desafia, além de participar de uma diversidade de eventos: em apenas 1 semana ela apareceu fazendo uma performance em um número musical da banda Sparks no festival de Glastonburry 2023 (ela participou no vídeo clipe deles meses antes) e também estava na África promovendo uma ONG de ajuda às comunidades carentes.
Ano passado ela fez uma performance indicada ao Oscar de Melhor Atriz como Lydia Tár, um grande maestro que se vê num momento de desconstrução. O diretor Todd Field do ótimo “Pecados Íntimos” escreveu o papel especialmente para ela e só realizaria o filme com ela. Logo se vê o motivo.
O filme, como já citado, fala sobre a desconstrução de um ícone, passando pelo seu dia a dia e como as pequenas coisas, detalhes e falhas de caráter, podem afetar uma pessoa, independente de seu poder ou prestígio.
Tár está eu seu auge e prestes a realizar o sonho de conduzir uma dificílima ópera como coroação do seu trabalho. Só que o suicídio de uma ex-estudante sua, entre outros pequenos fatos, começam a fazer seus pares questionarem sua conduta, potencializando o que há de pior na personagem.
Duas coisas chamam atenção na produção: a primeira é que todo o efeito de ação e reação é centrado na protagonista, como se todos os eventos da história só mostrassem seu efeito se alterassem a percepção da personagem. Sendo assim, ela é ao mesmo tempo um receptáculo e o veículo que transmite a intensidade de todos os fatores externos a ela para o espectador, funcionando como um diálogo entre ela e o público, só que através de suas ações.
Aí é que Blanchett deslancha: ela reaprendeu piano, aprendeu a falar alemão e, sim, aprendeu a conduzir uma orquestra para o papel. Sua fluência em todas as habilidades parece ser natural e, juntamente com seu talento na interpretação, faz um personagem extremamente complexo e cheio de camadas emocionais que tenta se passar por forte como exigência da sua própria iconoclastia. Inclusive a sensacional cena da aula no primeiro ato foi feita em apenas uma tomada.
O segundo aspecto tem a ver com o roteiro, pois em momento algum se prova que Tár é culpada pelas acusações feitas, mesmo que sua conduta e falhas de caráter deem claramente uma leitura de que ela seria capaz disso. Essa sutileza da trama parece pequena, mas faz toda a diferença sobre como o espectador enxerga a protagonista e como ela enxerga a si mesma (inclusive há um sentimento de culpa envolvido que pode indicar que uma determinada verdade), pois não é trabalho do filme responder a essa pergunta, mas sim sobre as consequências que as insinuações tem no interior da personagem.
“Tár” é uma jornada de ascensão e queda, de construção e desconstrução, meticulosamente orquestrada (sem trocadilhos) por direção e roteiro impecáveis, com Cate Blanchett no total comando da situação. Lindo de se ver para um cinéfilo, por mais que esteja distante da veia comercial do cinema.
Curiosidades:
- Os gritos que Lydia escuta correndo no parque foram tirados do áudio do clímax do filme de terror “A Bruxa de Blair”.
- O filme começa com osom em mono e vai adicionando canais até ficar totalmente em stereo.
- O som incômodo que o carro de Tár faz foi gravado do Porsche do diretor Todd Field que, após um acidente, mesmo consertado nunca mais foi o mesmo. Reza a lenda que ele bateu o carro em setembro de 2020 quando a agente de Cate Blanchett deu uma primeira negativa sobre a participação dela no filme. Só que quando soube do acidente, ficou com pena e entregou o script para atriz ler e daí deu o sinal verde.
- Todos os nomes de artistas, jornalistas, etc que aparecem no filme são reais. O jornalista que a entrevista no primeiro ato, é realmente Adam Gopnik que, inclusive, entrevistou Cate Blachett sobre o filme quando ela estava em tour de divulgação.
- Há uma cena (nos 53 min) em que Tár está num restaurante um personagem interpretado por Julian Glover. Atrás deles há uma foto do próprio Julian Glover assinado por ele.
- Há uma cena em que se fala que Marlon Brando fez um filme e esqueceram de levar os crocodilos daquele rio. O filme é “A Ilha do Dr. Mureau”.
Ficha Técnica:
Elenco:
Cate Blanchett
Noémie Merlant
Adam Gopnik
Sylvia Flote
Sydney Lemmon
Mark Strong
Nicolas Hopchet
Kitty Watson
Alec Baldwin
Jessica Hansen
Nina Hoss
Mila Bogojevic
Alma Löhr
Sophie Kauer
Allan Corduner
Dorothea Plans Casal
Fabian Dirr
Julian Glover
Direção:
Todd Field
História e Roteiro:
Todd Field
Produção:
Todd Field
Scott Lambert
Alexandra Milchan
Fotografia:
Florian Hoffmeister
Trilha Sonora:
Hildur Guðnadóttir