A negociação sobre os direitos autorais do jogo russo Tetris, até então um ilustre desconhecido, foi um dos processos mais enrolados já colocado em um filme, com várias partes interessadas e outras tantas opositoras, principalmente por parte de uma União Soviética prestes a ruir no fim dos anos 80, que via a transação como uma abertura de portas para o terror do capitalismo. Além, é claro, das barreiras da língua e cultura.
Só o fato do diretor Jon S. Baird do excelente “Filth” conseguir explicar essa história deixando o espectador muito bem localizado a todo momento já é uma proeza.
Taron Egerton de “Rocketman” é Henk, dono de uma pequena empresa de desenvolvimento de jogos para videogames no Japão e, numa feira empresarial se depara e se apaixona por Tetris. Ele vai descobrir que Tetris ainda não havia sido totalmente licenciado e vai para cima dos russos tentar fechar um acordo que muita gente está de olho.
Eu já tinha escrito sobre como filmes sobre negociações corporativas precisam fugir do marasmo na crítica de “Air: A História por Trás da Logo”. O interessante é que aqui o diretor seguiu o caminho inverso ao da outra produção: ele impôs um dinamismo que quase emula partes de um filme de ação, com direito até a perseguição de carros no terceiro ato.
A verdade é que não existe o certo ou errado, se dá certo. Há uma decisão acertadíssima de criar um ambiente de vídeo game dentro da narrativa, transformando live action em pixels e dividindo os atos por níveis, como num jogo.
Se o ritmo e a abordagem visual ditam a essência da produção, o elenco também está ótimo e até mesmo os coadjuvantes “russos” são críveis a ponto de não serem meros estereótipos da Guerra Fria.
Os aspectos técnicos como reconstituição de época e principalmente a cenografia surpreendem da maneira que retratam a União Soviética e também com seu figurino oitentista.
Para fechar a trilha sonora recheada de hits da época com algumas roupagens que se aproximam das trilhas de games de 8 bits e outras novas versões também são um golaço, tendo cantores e bandas famosas como Kenny Loggins, Europe, Duran Duran e um belíssimo desfecho com a canção Opportunities de Pet Shop Boys.
“Tetris” funciona como uma curiosa história muito bem contada e também como ótima produção onde os elementos que fazem a dinâmica da narrativa são dispostos da melhor forma a nunca cansar o público. Recomendadíssimo.
Curiosidades:
- Há uma cena em que Henk fala que quando jogou Tetris ele passou a dormir, sonha e acordar com o jogo na cabeça. Esse efeito é conhecido como “Efeito Tetris” e é real, sendo cunhado pelo jornalista Jeffrey Goldsmith em 1994 para descrever a experiência de uma pessoa que passa muito tempo focando na mesma coisa.
- O empresário corrupto no filme, Robert Maxwell, que é uma pessoa real teve 9 filhos, apesar que no filme somente aparece o chamado Kevin. O que pouca gente sabe é que uma filha dele é Ghislaine Maxwell que foi condenada por tráfico sexual de crianças no caso hediondo como culminou com a morte de seu chefe, Jeffrey Epstein, amigo de inúmeras celebridades de Hollywood, quando estava preso. Essa morte foi tida como suicídio, mas todos clamam que foi um assassinato para que ele não delatasse quem era seus clientes. Até hoje ninguém foi preso como cliente do esquema de Epstein.
- Para não confundir as crianças, já que Tetris é um nome de jogo, a produção inseriu palavrões nos diálogos de modo que a censura fosse maior.
Ficha Técnica:
Elenco:
Taron Egerton
Mara Huf
Miles Barrow
Rick Yune
Nikita Efremov
Toby Jones
Aleksey Shedko
Natalia Gonchar
Oleg Stefan
Roger Allam
Anthony Boyle
Ayano Yamamoto
Nino Furuhata
Togo Igawa
Ayane Nagabuchi
Kanon Narumi
Direção:
Jon S. Baird
História e Roteiro:
Noah Pink
Produção:
Gillian Berrie
Len Blavatnik
Gregor Cameron
Claudia Schiffer
Matthew Vaughn
Fotografia:
Alwin H. Küchler
Trilha Sonora:
Lorne Balfe
