Não! Não Olhe! (“Nope”)

O badalado Jordan Peele que capitaneia uma nova safra de filmes de terror cabeça continua sua jornada para aprofundar cada vez mais o gênero de um significado maior. A pergunta é: até onde essa tal arte cabeça consegue sustentar a que o suspense / terror se propõe com o público. Parte dessa resposta parece ter sido respondida com o filme “Men – Faces do Medo” que parece ultrapassar um pouco o limite onde a arte geraria resultado positivo. Em “Não! Não Olhe!”, quase tudo faz sentido, mas nem tudo é necessário, o que provoca certo incômodo.

A excelente dupla de artistas Daniel Kaluuya que volta a trabalhar com o diretor depois de “Corra!” e Keke Palmer de “As Golpistas” são os irmãos OJ e Emerald que, desde que o pai morreu 6 meses antes, não se dão muito bem, pois enquanto ele quer cuidar da fazenda, ela não está nem aí para nada. Eles se deparam com um estranho fenômeno parecido com um OVNI na fazenda deles.

A primeira parte muito interessante e talvez a mais subversiva do filme é que, ao invés dos personagens seguir a cartilha dos filmes de terror e fugirem de qualquer ameaça, eles querem tirar proveito e tentam o tal disco voador (se é que seja isso mesmo) para ganhar dinheiro e salvar a fazenda de ser arrendada. O melhor é que esse comportamento está totalmente contextualizado e em nenhum momento parece uma forçada de barra no roteiro.

Aliás, Kaluuya e Palmer tem uma química excelente e suas performances são ótimas em espectros opostos, como irmãos totalmente diferentes – ele introspectivo, ela expansiva – e isso faz toda a diferença na dinâmica do desenvolvimento da história.

Mas aí entra o chimpanzé. Para que o chimpanzé? É a cena inicial e parte de uma subtrama a parte que aparentemente não faz o menor sentido. Claro que faz sentido: sem dar spoilers, poderia dizer que a lição do chimpanzé é que não se pode domar uma fera e que não é pelo fato do animal aparentemente seguir um padrão que ele possa ser confiável. E aí há um vínculo com o personagem de Steven Yeun (do premiado “Minari”), dono de um parque de diversões.

O problema – e que problema – é que se tirassem toda essa subtrama, o filme não mudaria uma vírgula, por mais perturbadora que ela seja (e talvez seja ainda mais que a trama principal). A própria reviravolta no segundo ato, quando descobrimos o que é a tal entidade já era esperada, mesmo sendo obviamente muito boa e se beneficiar de excelentes efeitos especiais. Uma pena que com tanta coisa para mostrar, Peele se furtou, mais uma vez em nome da arte, de colocar um pouco mais de violência gráfica. Ao invés disso, apelou para uma estrutura narrativa de capítulos com os nomes dos cavalos da fazenda que não incomoda, mas satura, digamos, a quantidade artística inserida no filme.

Não deixa de lembrar bastante o cult de M. Night Shyamalan, “Sinais” de 2002, aliás um dos filmes em que o diretor se inspirou. Da mesma forma que em “Sinais”, aqui se cometem alguns erros, mas diferentes.

Não! Não Olhe!” tem uma ótima premissa e quando quer ser o filme que poderia ter sido, faz muito bonito. Só que mesmo não perdendo o rumo, acaba perdendo o prumo em vários momentos.

Curiosidades:

  • No início, uma senhora se espanta com o nome de OJ. É porque ela lembrou de OJ Simpson, famoso jogador de futebol americano que foi acusado de matar a esposa na década de 90. O caso foi amplamente divulgado pela mídia.
  • OJ veste roupas predominantemente laranjas. OJ (o nome dele é Otis Junior) também pode ser um acrônimo de “Orange Juice”, ou seja, suco de laranja. Emerald tem roupas predominantemente verdes. Emerald vem de esmeralda que é uma pedra preciosa esverdeada.
  • Há uma cena em que Ricky (Steven Yeun) diz que em 1 hora todos vão sair daqui diferentes após verem um espetáculo. Essa cena acontece exatamente 1 hora antes do filme terminar.
  • Na mesa do escritório de Ricky há um par de tesouras grandes. São as mesmas tesouras usadas no filme anterior de Jordan Peele, “Nós”.
  • A história sobre o jockey no primeiro filme com imagens paradas a ser feito ser parente dos protagonistas é ficção. Na verdade, o filme foi feito com 2 jockeys que apenas foram apresentados como C. Marvin e G. Domm e muito menos se sabe sobre sua raça. Porém há 80% de chance de ambos os jockeys serem negros por causa da contextualização da época.
  • Quando um dos personagens compara a situação do filme com a dupla Siegfried e Roy é porque eles eram grandes apresentadores de show em Las Vegas na há anos atrás e seus números eram com animais exóticos e ferozes. Até que um deles atacou Roy num show no dia do seu aniversário. Roy não morreu, mas danificou sua coluna a ponto de não poder mais fazer shows.
  • No trailer Emerald dança a música Fingertips de Steve Wonder. É notório que ela está descompassada. É porque no filme a música que ela dança naquela cena é Walk on by de Dionne Warwick.

***SPOILERS – LEIA SÓ APÓS TER VISTO O FILME***

  • O título original é “Nope”. Essa é uma expressão usada quando alguém vê um bicho estranho e perigoso e prefere fugir. Ou seja, o título já escancara que na verdade o que se pensa ser um OVNI é um animal extraterrestre.
  • O animal foi inspirado em animais do mar como água-viva, lula, polvo, enguia, entre outros.
  • Lucky é o único cavalo cujo nome é um capítulo que sobrevive no filme.

Ficha Técnica:

Elenco:
Daniel Kaluuya
Keke Palmer
Brandon Perea
Michael Wincott
Steven Yeun
Wrenn Schmidt
Keith David
Devon Graye
Terry Notary
Barbie Ferreira
Donna Mills
Oz Perkins
Eddie Jemison

Direção:
Jordan Peele

Roteiro:
Jordan Peele

Produção:
Ian Cooper
Jordan Peele

Fotografia:
Hoyte Van Hoytema

Trilha Sonora:
Michael Abels

Avaliações dos usuários

Muito bom, mas não o melhor

Rated 4,0 out of 5
28/08/2022

Achei toda a construção do filme muito boa, o começo mais arrastado não me afetou porém mesmo o final sendo muito bom, o final de CORRA por enquanto é insuperável.

Jordan Peele consegue criar um clima incrível, cenas de absoluto “medo” e suspense que te prendem no filme, as vezes gritando “nope” como muitos ali deveriam fazer.

Anonymous

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