Um exemplo clássico de como uma direção espetacular pode fazer maravilhas por um roteiro relativamente simples. Apesar de simples como sinopse, seu cerne é profundo: Rango é um camaleão caseiro que, extrapolando sua peculiar propriedade de se camuflar, tem a si mesmo como alguém indefinido e encontra numa brincadeira teatral, a chance de encarnar vários papéis e, quem sabe, definir-se.
Numa viagem pelo deserto de Mojave, sua redoma de vidro se desprende do carro de seus donos e ele cai no meio da estrada. Então ele acha uma cidadezinha adaptada com vários tipos de materiais, de caixas vazias, garrafões e madeira podre, para o velho oeste e, interpretando um valentão, ele acaba sendo eleito o xerife e aí vai ter que resolver um mistério envolvendo a falta de água.
A cadeia de acontecimentos revela-se propositalmente muito parecido com o que se vê em westerns antigos (sim, foi uma homenagem) e não há nada em particular na história que seja emocionante (como é em quase todas as produções da Pixar) ou que cause uma profunda afinidade no espectador. Porém a direção de Gore Verbinski (da série “Piratas do Caribe“) aliada a impecável produção de estréia da companhia de efeitos especiais de George Lucas, a Industrial Light & Magic, faz de “Rango” uma obra tecnicamente e, porque não dizer, artisticamente inesquecível.
Primeiramente tem o apuro visual das melhores produções da Pixar e um nível de realidade que rivaliza “Happy Feet – O Pinguim“. Os personagens são tratados com um nível de detalhe talvez nunca antes visto na história da animação e utilizando técnicas inéditas de captura de movimentos, a ILM apresenta tipos tão distintos entre si, que eles parecem ter saído de um trabalho artesanal.
O lado de Verbinski também é magistral: ele não só transcende seqüências inteiras de clássicos do western, como também faz referências orgânicas a diversos filmes, vide “Medo e Delírio” em que Rango (voz de Johnny Depp) literalmente dá de cara com seu alter-ego (visto que Depp também é o protagonista daquele filme); ou ainda a seqüência da revoada de morcegos remetendo a “Apocalipse Now“; e, entre outros, a referência mor ao gênero incorporada no Deus do Oeste. E finalmente seu completo domínio sobre os ângulos de animação, registrado logo no início na fantástica cena quando o camaleão cai do carro de seus donos.
O longa, como já dito, só se complica um pouco na hora do roteiro e às vezes se atrapalha na composição do próprio protagonista que, hora se mostra dono de uma burrice ímpar – geralmente para alívio cômico – só que em outros momentos parece ser dono de uma vivacidade e coragem digna de um herói. A dublagem brasileira está melhor, mesmo com aquele sotaque de interiorano saído das novelas da Globo.
“Rango” é uma das animações mais competentes dos últimos tempos e pode ser marco de uma concorrência ferrenha com a Pixar. Só faltou um pouco mais de alma, o que a Pixar até então tem de sobra.
Ficha Técnica
Elenco:
Johnny Depp
Isla Fisher
Abigail Breslin
Ned Beatty
Alfred Molina
Bill Nighy
Harry Dean Stanton
Ray Winstone
Timothy Olyphant
Direção:
Gore Verbinski
Produção:
John Carls
Graham King
Trilha Sonora:
Hans Zimmer