Hollywood adora tanto falar de Hollywood que filmes sobre o tema sempre são bem-vindos e muitas vezes, muito bem feitos, como é o caso de “Babilônia”, “Mank” ou “Era Uma Vez em… Hollywood”.
O Brasil não tem uma Hollywood. No máximo teve os estúdios da Atlântida, mas isso é outra pauta. Por sua vez, o cineasta Kleber Mendonça Filho construiu a sua própria Hollywood dentro de casa. Apaixonado por cinema desde a infância, brincava com a câmera e filmava sua casa, vizinhança e cidade de Recife por muitos anos.
Quando virou diretor, praticamente todos os seus filmes tiveram grande parte das cenas nesses mesmos lugares. Basta comparar suas ótimas produções “O Som ao Redor” ou “Aquarius”.
“Retratos Fantasmas” é seu documentário sobre a sua “Hollywood”, mas não só isso: também uma homenagem ao cinema, como arte, como estrutura e como moldador de uma cidade ou sociedade e, como os novos tempos podem degradar essa estrutura, transmutando-a em outra coisa.
Basicamente é composto de 3 partes: a primeira e mais interessante é como ele percebe sua casa, sua família e sua vizinhança e como tudo isso é captado através de suas lentes para suas obras. Há ótimos momentos onde seus filmes são mostrados fazendo a rima com os cenários da casa e arredores.
A segunda parte mais comovente, sobre a ascensão e queda das grandes salas de cinema em Recife e sobre o deslocamento de dinheiro que outrora enriquecia o centro histórico e agora mostra um cenário degradado, com grande parte desse capital indo para a zona de Boa Viagem.
Finalmente a terceira parte é uma comparação de igrejas com templos, que aliás foi no que muitas delas se transformaram, além de como os novos tempos mudam a paisagem da cidade, com agora suas milhares de farmácias espalhadas.
Dizem que a cidade é o retrato de seu povo. Com tantas farmácias é impossível não fazer a relação com um povo doente ou perdido de sua cultura.
Destaque para a narração que é feita pelo próprio diretor que, ao mesmo tempo em que não tem aquele traquejo usual de narrador em sua voz, não deixa de imprimir uma interessante e às vezes engraçada marca registrada.
“Retratos Fantasmas” é uma declaração de amor pelo cinema por alguém que submerge sua história de vida à história da sua arte, mas que também deixa uma triste mensagem de desesperança ou do realismo cultural em que vivemos. É um filme que vai fazer ainda mais sentido para quem conhece Recife e/ou conhece as obras de Kleber Mendonça Filho e, é claro, é apaixonado por cinema.
Curiosidades:
Como moro em Belém e conheço a história, a cidade teve o segundo cinema do Brasil, o Cine Olímpia que hoje creio que está fechado, mas que funcionava como um museu. Antes do nascimento dos multiplexes em shoppings, também teve:
Cine Palácio, que virou Igreja Universal.
Cinemas Nazaré 1 e Nazaré 2 que hoje são Lojas Americanas. O engraçado é que no Nazaré só passava filmes pornôs, menos na época do Círio de Nazaré, quando passava filmes religiosos.
Tanto o Palácio, quanto o Nazaré 1 e 2 e o Olímpia faziam parte do grupo Severiano Ribeiro, que já foi o maior grupo de cinemas do Brasil, que inclusive é mostrado em “Retratos Fantasmas”, já que a sede dele era em Recife.
Cine Ópera: única sala em funcionamento hoje, fica ao lado das Lojas Americanas onde antes eram os cines Nazaré 1 e 2 e se dedica apenas a filmes pornôs antigos.
Cinema 1, 2 e 3: Primeiramente começou com dois cinemas, e depois fizeram o terceiro. Daí fizeram uma locadora de VHS / DVD ao lado chamado Cinema 4. Hoje é uma universidade.
Esse mesmo grupo ainda teve os Cines Doca 1 e 2 numa galeria chamada Doca Boulevard que hoje é o Shopping Boulevard.
Aliás, hoje os cinemas em Belém são todos multiplexes divididos nos grupos Cinépolis, Moviecom e UCI, espalhados pelos shoppings da cidade.
Ficha Técnica:
Elenco (em sua maioria, imagens de arquivo):
Sonia Braga
Tony Curtis
Maeve Jinkings
Joselice Jucá
Janet Leigh
Kleber Mendonça Filho
Alexandre Moura
Rubens Santos
Ariano Suassuna
Direção:
Kleber Mendonça Filho
História e Roteiro:
Kleber Mendonça Filho
Produção:
Emilie Lesclaux
Fotografia:
Pedro Sotero
Trilha Sonora:
Tomaz Alves Souza