Um dado sobre meu blog: um dos 10 filmes mais comentados dele é o complete desconhecido “Cadáveres 2”, filme americano dirigido pelo brasileiro Halder Gomes, que curiosamente estreou na direção de um longa lá pelas terras do Tio Sam. O filme é uma bomba, mas provavelmente muitos conhecidos dele se enervaram com a crítica e encheram os comentários com respostas nada agradáveis, enquanto outros leitores não entendiam essa reação e também comentavam o quanto o filme era ruim.
De lá pra cá, fico muito feliz em ver que este mesmo Halder fez um dos melhores filmes de comédia do ano (talvez o melhor) e muito mais que isso, fez uma viagem no tempo que praticamente homenageia os Trapalhões e conserva uma linguagem só dele e um conhecimento ímpar dos costumes e maneirismos nordestinos.
Pelos idos de 1982, Edmilson Filho é Aluísio Li (lembraram do Bruce Lee), um aficionado pelas artes marciais, mas que é objeto de troça de todos pela cidadezinha de Quixadá bem no triângulo da seca do Nordeste. Trabalhando como padeiro, ele é apaixonado por Anésia (a estonteante Bruna Hamu) que é filha do dono da padaria, o próprio Dedé Santana (coincidência?); sendo que ele sonha em provar o seu valor e a hora chega quando uma grande luta (da época em que vale tudo se chamava luta livre) se aproxima e a cidade precisa de um representante para enfrentar o poderoso Tony Tora Pleura (Fabio Goulart). Para isso ele conta com a ajuda de seu melhor amigo, Piolho (o ator mirim impagável Igon Jansen) e um chinês fake e picareta (ninguém menos que o cantor Falcão).
As piadas sempre afiadas se desenrolam através do jeito nordestino caricatural e deliciosamente estereotipado que faz cada fala já soar engraçada. Resgata-se o humor inocente e ao mesmo tempo politicamente incorreto do auge dos Trabalhões nos anos 80 e com efeitos especiais simples, mas que funcionam perfeitamente para o contexto de uma quase sátira: a abertura com um filtro que emula uma TV de tubo, o que se tinha na década de 80, filtro que se repete mais tarde, foi uma ótima sacada.
Há muito tempo que não se vê um elenco tão linear com todos num mesmo patamar: se Edmilson Filho domina a arte da comédia nordestina, o garoto Igor Jansen rouba todas as cenas, Falcão parece que nasceu para o papel, e até o Marcos Veras do Porta dos Fundos faz tudo certinho provando que está além de um mero comediante de esquetes.
Dentro do padrão absurdo de uma comédia satírica, o roteiro está muito bem direcionado e Halder Gomes conduz a narrativa com total domínio, trazendo um arco de desenvolvimento de personagens consistente para todos e jamais insultando a inteligência do espectador.
O único momento um pouquinho cansativo é a cena da luta final que se estende um pouco mais do que deveria, mas esse problema é uma bobagem perto de um contexto mais amplo onde vemos uma preocupação não só com a narrativa como em todos os aspectos, como por exemplo a bela fotografia do sertão feito por Carina Sanginitto, parceira de Halder Gomes desde a época de “Cadáveres 2”, passando por “As Mães de Chico Xavier”.
“Shaolin do Sertão” se firma como diversão pura, inteligente e com um conteúdo sensacional, resgatando o melhor que o Brasil tem para oferecer sobre cinema. Parabéns Halder!
Ficha Técnica
Elenco:
Edmilson Filho
Bruna Hamú
Dedé Santana
Marcos Veras
Fábio Goulart
Igor Jansen
Fafy Siqueira
Falcão
Frank Menezes
Cláudio Jaborandy
Haroldo Guimarães
Solange Teixeira
Evenice Neta
Luiz Guilherme
Karla Karenina
Tirullipa
Li Lin – Daniel
Demick Lopes
Direção:
Halder Gomes
Produção:
Halder Gomes
Fotografia:
Carina Sanginitto
Trilha Sonora:
John Powell