Fé Corrompida (“First Reformed”)

Grandes cineastas gostam de filmes difíceis e arriscam. Imagina o caso de Paul Schrader o roteirista premiadíssimo pelo eterno clássico “Taxi Driver”, mas que teve que pagar alguma promessa para o Nicolas Cage fazendo os péssimos “Vingança ao Anoitecer” e “Cães Selvagens”.

Aqui ele volta em plena forma num daqueles seus filmes estranhos, teatrais e cheio de simbolismos com um clima que vai pesando no ombro do espectador a cada minuto.

Ethan Hawke de “O Telefone Preto” está brilhante como o Reverendo Toller, padre de uma igreja turística prestes a completar seu bicentenário. Ele vem perdendo a sua fé aos poucos, até com a saúde comprometida e as coisas só pioram depois de conhecer um casal de ativistas onde a esposa Mary (Amanda Seyfried de “Vozes e Vultos”) o procura por temer a sanidade do marido.

A mistura dos acontecimentos e da interpretação do protagonista através da narração em off conduz muito bem o público pelo que se passa na mente de Toller e, tal qual o personagem de Robert De Niro em “Taxi Driver”, percebe-se claramente, seja pela destreza na direção ou pela ótima performance de Hawke, a deterioração de seu raciocínio sem que necessariamente isso seja sinônimo de perder a razão, mas sim de se colocar numa posição extremista frente a tudo aquilo que é inevitável no sistema.

Schrader ainda filmou tudo na razão 4:3, como nas TVs antigas, dando uma atmosfera ainda mais claustrofóbica. Percebam como em alguns momentos os personagens se movem e a ação acontece fora da vista do espectador.

Filme com padre e mulher, coisa boa não deve dar, mas talvez essa seja a melhor dinâmica entre dois personagens em situações delicadas e o diretor conseguiu fugir do lugar comum – aquela tentação manjada – para transformar a relação dos personagens na verdadeira essência da narrativa, da culpa e do propósito do protagonista e é, de longe, a melhor coisa da produção.

Fé Corrompida” termina de súbito, numa porrada embalada numa nefasta trilha sonora de Brian Williams (“O Mensageiro do Último Dia”) como que evocando todo o pecado de “Hereditário”.

Ainda assim, não é preciso mais explicações para que se perceba nesse desfecho o verdadeiro significado de todas as tribulações e até mesmo as manipulações inconscientes dos personagens para seu verdadeiro destino. Recomendado!

Curiosidades:

  • Amanda Seyfried estava realmente grávida nas filmagens e o diretor reescreveu o roteiro para que sua gravidez tivesse significado.
  • As filmagens duraram apenas 20 dias.
  • Ethan Hawke disse em entrevista que antes de ser ator, considerava ser padre.
  • Há uma referência feita a dois ativistas que existiram de verdade e foram mortos pelo sistema: o brasileiro José Cláudio Ribeiro da Silva e a madre Dorothy Stang, cujo assassinato ocupou boa parte do noticiário em 2005.

Ficha Técnica:

Elenco:
Ethan Hawke
Amanda Seyfried
Cedric the Entertainer
Victoria Hill
Philip Ettinger
Michael Gaston

Direção:
Paul Schrader

História e Roteiro:
Paul Schrader

Produção:
Jack Binder
Greg Clark
Gary Hamilton
Victoria Hill
David Hinojosa
Frank Murray
Deepak Sikka
Christine Vachon

Fotografia:
Alexander Dynan

Trilha Sonora:
Brian Williams

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