Falar que o cinema é a sétima arte é colocar qualquer produção cinematográfica por si só como forma artística. Mas sabemos que não é bem assim. Ou melhor, a arte pode ser mais comercial ou não. De fato, o cinema comercial e o cinema mais purista na sua forma de arte são dois extremos opostos. Imaginem situar, por exemplo, o último “Transformers” como o extremo comercial e “Árvore da Vida” como o extremo artístico. Pouquíssimas pérolas conseguem um equilíbrio tão grande entre o comercial e o artístico quanto “Drive” conseguiu.
A sinopse não deve nada para um filme de ação: o cada vez melhor Ryan Gosling (“Amor a Toda Prova“) trabalha numa oficina, faz bico de dublê de cinema na parte automobilística e, nas horas vagas, é motorista de fuga contratado para assaltos. Frio e calculista, tudo muda quando conhece a sua vizinha Irene (Carey Mulligan de “Wall Street – O Dinheiro Nunca Dorme”). Ele decide ajudar o marido dela que saiu da cadeia e acaba se envolvendo com um perigoso mafioso através de uma ótima reviravolta.
E a história brilhantemente elaborada é apenas um dos fatores de sucesso dessa produção. A linguagem artística usada pelo diretor Nicolas Winding Refn (pasme: ele fez “Valhalla Rising”) é sublime de tal forma que encanta os sentidos. De um lado, o personagem sem nome de Gosling construído de maneira ímpar que consegue comunicar toda emoção apenas com um olhar. Desde já sua melhor interpretação. Do outro lado uma direção e fotografias planejadas no detalhe. A forma como certos elementos de cena são revelados aos poucos para o espectador é sim pura arte. Para citar alguns exemplos: a cena onde o nosso herói fecha a porta do apartamento e fica com o olhar fixo para só segundos depois a câmera revelar Irene sentada ao chão; ou num diálogo entre os dois, onde ele fica de costas, mas com seu rosto sendo visto no reflexo de um espelho à direita; e ainda a luta em seu desfecho, a qual é focada apenas nas sombras dos personagens e não diretamente neles.
Mas essa obra não teria o mesmo efeito se não fosse a fantástica trilha sonora de Cliff Martinez (“Contágio”), a qual combinada com as imagens em câmera lenta, parece um clipe musical dentro de um filme. É o tipo de experiência onde imagem e som se mesclam de forma tão orgânica que o espectador parece estar presenciando uma viagem.
Criatividade em todos os âmbitos, história muito bem contada, personagens complexos (inclusive os vilões) e com todos os aspectos técnicos e artísticos que beiram a perfeição, “Drive” se firma como um dos melhores filmes de 2012 que ainda consegue a façanha de ser pop e arte.
Ficha Técnica
Elenco:
Ryan Gosling
Carey Mulligan
Bryan Cranston
Albert Brooks
Oscar Isaac
Christina Hendricks
Ron Perlman
Kaden Leos
Direção:
Nicolas Winding Refn
Produção:
John Palermo
Marc Platt
Gigi Pritzker
Adam Siegel
Fotografia:
Newton Thomas Sigel
Trilha Sonora:
Cliff Martinez
Uma resposta
Ao ler a crítica deste filme pareceu-me exagerado os elogios atribuídos a ele, afinal, além de tratar-se de um filme de ação, com sinopse semelhante ao personagem de Jason Statham em Carga Explosiva, com Ryan Gosling mundialmente conhecido por Diário de uma Paixão, ou seja, um romance, e a direção nas mãos de Nicolas Winding Refn cujas referências não são, digamos, as melhores. Mas para se apaixonar por este filme, basta assistir seus cinco primeiros minutos onde é demonstrada a habilidade na direção do personagem sem nome (e é angustiante volta e avançar no filme e descobrir que não há realmente a pronúncia, e ainda mais brilhante o fato de que essa informação não faz diferença). Após o primeiro ato o filme se torna lento mas nem por isso entediante, em muitas vezes percebe-se que todas as possibilidades de filmagem foram colocadas a disposição do diretor e ele as usou, todas! Câmera lenta, cortar uma cena para mostrar um pequeno flash back do que ocorreu minutos antes, uso de reflexos, sombras, violência gráfica explícita… as fabulosas tomadas de dentro do carro do motorista… praticamente um material de estudo em qualquer faculdade de cinema. Tudo isso poderia ir por água abaixo se não estivesse amparada em ótimos atores, e todos, todos correspondem, e no caso de Gosling, surpreendem. É de bater palmas de pé vendo como construiu seu personagem, a maior parte do tempo calmo, discreto,sempre evitando chamar a atenção, porém quando necessário é a fúria em pessoa e jamais se deixar intimidar. Destaque para a cena em que em um motel ele mostra gradativamente, e infelizmente para sua cúmplice, como vai da calma a fúria. O roteiro sem pressa e sem deixar de preencher todas as lacunas, torna crível a inevitabilidade na condução de todos os personagens ao caos, em dado momento é visível que queriam evitar um confronto pois já não haveriam vitoriosos, porém realmente não havia saída para ninguém sem um preço alto a pagar. Drive, enfim, é desde já um candidato a cult, com méritos. Um pequeno conselho, atenção a brincadeira que drive faz com o garoto no elevador na primeira vez em que se encontram, guarde esta cena, e veja como é utilizada pelo diretor para fechar o círculo do filme. Brilhante.