Barbie

Faz tempo que um filme não atingia um hype pop cultural da envergadura que “Barbie” conseguiu. Tanto é que já é a segunda maior bilheteria de estréia no Brasil de todos os tempos, ficando apenas atrás de “Vingadores – Ultimato”. O marketing com seu rosa predominante, seus memes com “Hi Barbie” e “Hi Ken” foram no ponto certo e contagiaram a todos, resultando no quase involuntário flash mob divertidíssimo. Tudo sem antes ver o filme. Tem quem não goste de seguir a tendência e que bom que todo mundo é livre.

Também teve o outro lado de pesado criticismo ao filme por ter uma suposta panfletagem feminista.

Então vamos tentar colocar “Barbie” no seu devido lugar: é um filmaço. Curiosamente é um filmaço na mesma medida em que “Uma Aventura Lego” também é um filmaço. Porque ambos tratam exatamente da mesma questão: a manutenção ou o desafio do status quo, isto é, da maneira como as coisas são hoje (não que sejam necessariamente como pintam os filmes).

A diferença é que em “Uma Aventura Lego” fala sobre o status quo como senso de propósito do ser humano e “Barbie” fala sobre o status quo do patriarcado. Aliás, patriarcado é uma palavra que nem era tão conhecida dos brasileiros assim, mas sempre foi muito usada pelos americanos. Depois desse filme, a palavra vai se tornar corriqueira já que ela é citada praticamente a cada 10 minutos.

Pelas terras brasileiras usamos uma outra expressão que não significa a mesma coisa, mas tem um significado relacionado que é o machismo estrutural. A diferença é que, enquanto o machismo estrutural se refere a um sistema de valores, crenças e normas culturais, o patriarcado é um sistema social e político em que os homens detêm a maior parte do poder e autoridade. Isto é, o machismo é um comportamento baseado num sistema de valores e o patriarcado é uma espécie de institucionalização de um machismo, ainda que mais brando, mas que vê as características masculinas como predominantes e superiores.

Barbie” é justamente um questionamento do status quo da percepção de que vivemos num patriarcado. A crítica é leve, inteligente e engraçadíssima, o que dá margem para que uma família possa entender e se divertir sem se sentir ofendido com os valores apresentados, tal qual os criticados.

A sacada do roteiro foi se utilizar do próprio conceito das bonecas da Mattel para uma inversão de valores: na Barbielândia todas as Barbies ocupam todos as posições profissionais daquele mundo, enquanto os Kens, são apenas os amigos das Barbies e ficam quase como figurantes na vida das bonecas de carne e osso (Eles apenas “Praia” – você vai entender).

Entra então a Barbie Estereotípica Margot Robbie (“Babilônia”) que é linda, loira, magra, branca e que não faz nada além de se divertir. Ela é o interesse amoroso do Ken Ryan Gosling (“Agente Oculto”), loiro, másculo e burro como uma porta. Quando essa Barbie começa a ter pensamentos sombrios que vão quebrando a magia da Barbielândia, ela e Ken precisam ir ao mundo real para encontrar a garotinha que brinca com ela e desvendar esse mistério.

As semelhanças com “Uma Aventura Lego” não param: ambos também coabitam com o mundo real, onde um influenciam o outro, e ambos têm o ator Will Ferrell (“Um Conto Natalino”) desempenhando o mesmíssimo tipo de papel, salvo as diferenças no tema.

Dirigido por Greta Gerwig que sempre marca golaços como em “Adoráveis Mulheres”, a produção é contundente sem ser pesada. O primeiro ato é sensacional com os maneirismos do universo das bonecas sendo transmutadas em live action com excelentes efeitos especiais, maquiagem, figurino, um elenco poderoso e um timing cômico certeiro.

Se Margot Robbie está apaixonante, Ryan Gosling se mostra um alívio cômico surpreendente e a química de ambos é inegável.

O segundo ato, no mundo real, a crítica social se intensifica um pouquinho mais e lá esteja talvez a cena mais emblemática, onde Barbie e Ken são assediados, mas somente Barbie fica incomodada, o que mostra como às vezes é difícil para o homem se colocar no lugar da mulher em certos aspectos. Lá pelo último ato, situação se inverte em outra cena (sem spoilers) onde é a vez da mulher se colocar no lugar do homem. Nenhum dos temas é de verdade aprofundado e se isso pode parecer uma desvantagem à discussão que a diretora poderia querer promover (e é), por outro lado, torna a narrativa leve e despreocupada, deixando o público mais preocupado em rir do bom humor.

Toda a ação e até mesmo as cenas mais absurdas são hilárias e, repetindo, nunca deixa de ser engraçado a maneira como a diretora conseguiu desenhar o processo de fazer artistas de carne e osso terem a mesma dinâmica física e psicológica de um boneco.

A própria interpretação do papel da Mattel (criadora e fabricante da Barbie) como entidade é outra ótima sacada da obra.

Talvez o único pecado do filme seja seu final, onde talvez embebecido pelo êxito na discussão sobre feminismo e patriarcado, o roteiro dá uma guinada para uma outra pauta, a do senso de propósito – que aliás é a pauta principal de “Uma Aventura Lego” – só que pivotar para uma nova pauta no final do filme como se o ciclo da pauta anterior simplesmente tivesse se fechado e solucionado, ficou um pouco demais para o conteúdo, mesmo com a piadinha no segundo final do filme – que não deixa de ser muito boa – mas parece fora do lugar.

Barbie” consegue ir ao centro de uma delicada discussão sem ofender nenhum dos lados, já que também não precisa se aprofundar, sabe se posicionar bem e funciona perfeitamente como uma excelente comédia de deliciosos absurdos e senso de humor afiado. Para ver sem medo e sem preconceito.

Curiosidade:

  • Margot Robbie solicitou que todos no set usassem rosa uma vez na semana. Foi dela a idéia de um escorrega que vai de seu quarto para a piscina.
  • Todos os bonecos do filme realmente existiram, inclusive os que foram cancelados ou descontinuados. De todos, há duas histórias curiosas:
    • A Barbie com câmera já foi usada para espionagem pelo FBI.
    • Allan, interpretado por Michael Cera, surgiu como amigo do Ken na década de 60, só que foi descontinuado, pois começou a surgir boatos de que ele e Ken seriam gays e parceiros. Depois de anos, Allan voltou a ser comercializado em 1990 juntamente com sua esposa Midge para não haver qualquer burburinho.
  • A música “I’m just a Ken” (Sou apenas um Ken) foi uma brincadeira do compositor Mark Ronson, mas quando Ryan Gosling ouviu, fez questão de falar com a diretora para haver um número musical com a música, o que aconteceu e é uma ótima cena.

Ficha Técnica:

Elenco:
Margot Robbie
Ryan Gosling
Issa Rae
Kate McKinnon
Alexandra Shipp
Emma Mackey
Hari Nef
Sharon Rooney
Ana Cruz Kayne
Ritu Arya
Dua Lipa
Nicola Coughlan
Emerald Fennell
Simu Liu
Kingsley Ben-Adir
Ncuti Gatwa
Scott Evans
John Cena
Michael Cera
America Ferrera
Ariana Greenblatt
Rhea Perlman
Helen Mirren
Will Ferrell

Direção:
Greta Gerwig

História e Roteiro:
Greta Gerwig
Noah Baumbach

Produção:
Tom Ackerley
Robbie Brenner

Fotografia:
Rodrigo Prieto

Trilha Sonora:
Mark Ronson
Andrew Wyatt

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