Pela primeira vez na cadeira de roteirista (antes era apenas autora), J.K. Rowling volta ao mundo bruxo que havia deixado saudade com “Harry Potter” para um spin off que contém muito mais que aparenta.
O próprio título do filme é um livro escrito por Newt Scamander (Eddie Redmayne de “A Garota Dinamarquesa“) e figura entre os mais vendidos, inclusive em Hogwarts. A história se passa 70 anos antes quando Newt, um magizoologista (uma espécie de Charles Darwin do mundo da magia) chega em Nova York e inadvertidamente troca sua maleta cheia de animais fantásticos com o trouxa (nos EUA se chamam no-majs) Kowalski (Dan Fogler de “Rota de Colisão”) que acaba libertando alguns bichos que podem ou não estar relacionados a uma série de violentos ataques na cidade.
Enquanto isso a comunidade mágica está a caça de um poderoso feiticeiro das trevas, Grindelwald. Quando interpelado pela auror (uma espécie de investigadora do Ministério da Magia) Tina (Katherine Waterston de “Steve Jobs”), Newt deve achar as criaturas perdidas e desvendar o mistério que ameaça a cidade junto com o inesperado amigo Kowalski, Tina e sua irmã Queenie (a desconhecida Alison Sudol), tendo que enfrentar a polícia mágica chefiada pelo perigoso agente Graves (Colin Farrell de “Presságios de um Crime”).
Tal qual fez na saga de Harry Potter, a criação de um mundo bruxo por Rowling na cidade de Nova York, é impecável: o intercambiamento de dimensões, os aparatos mágicos que ao mesmo tempo que são espetaculares, funcionam como meros coadjuvantes de um propósito maior, a dimensão da cidade e a reconstituição de época com um design de produção irrepreensível e a fotografia de Philippe Rousselot (“Dois Caras Legais”) evocando a magia andando lado a lado com a realidade. Destaque para o próprio mundo dentre da maleta de Newt e pela imaginação com que isso é transposto para a telona como uma simulação multidimensional de vários climas diferentes para comportar os mais criativos animais imaginados por Rowling.
O elenco também é acertadíssimo e Redmayne com as suas afetações encaixa direitinho no papel do ansioso, mas introspectivo bruxo negligente do bem. Mas é Dan Fogler que rouba a cena: primeiro que se em Harry Potter, o protagonista era o alter ego do espectador, pois através de seus olhos que descobríamos os encantos de Hogwarts e seu mundo, aqui é Kowaslki que desempenha esse papel, onde se maravilha com cada pedaço do que conhece, inclusive a apaixonante Queenie, cujo arco de história é tão relevante que praticamente tem o grande desfecho da narrativa. Aliás, Fogler consegue ser engraçado sem se transformar em estereótipo cômico, o que talvez é seu maior feito.
Um tema relevante que não havia sido tratado com tanto peso nos outros filmes da autora e agora é quase a essência da discussão, é o racismo ou a segregação entre o mundo bruxo e o normal. Tanto é que por um lado temos o agente Graves que prega serem os bruxos a raça mais forte e que não precisariam se esconder dos humanos, enquanto Samantha Morton de “Cosmópolis” interpreta Maru Lou, uma humana radical religiosa que tem uma igreja chamada Nova Salém e não só acredita em bruxas como quer promover uma nova santa inquisição, juntamente com seus filhos postiços, entre ele, Ezra Miller (o novo Flash do cinema) numa ótima caracterização que quase passa despercebido e deixa o público sem saber se compartilha das mesmas idéias da mãe.
A decisão mais acertada, entretanto, foi a escalação de David Yates para diretor, responsável pelos quatro últimos filmes da franquia Harry Potter. Conduzido com maestria, ele faz poucas mas importantes referências ao que já conhecemos como falar de um jovem Alvo Dumbledore e até faz uma piadinha sobre a disputa de quem é a melhor escola mágica do planeta.
Finalmente James Newton Howard (“O Dono do Jogo”) que emula a de “Harry Potter”, faz com que desde o início já sintamos que estamos em terreno conhecido e daí pra frente é só se deliciar com uma história bem articulada, com exceção das motivações de Newt estar nos EUA que parecem fracas demais, dado o que o próprio último ato prova.
“Animais Fantásticos e Onde Habitam” funciona como uma história sozinha, mas fica a dica que suas próximas continuações devem focar no crescimento das forças das trevas e quem sabe como surgiu aquele que não deve ser mencionado.
Curiosidades:
– (SPOILER – Passe o mouse para ver): Há um nome apenas citado, mas que ganha força por mexer com o emocional do nosso herói: Leta Lestrange. Se o nome parece estranho, o sobrenome é da linhagem de ninguém menos que Belatrix Lestrange (interpretada por Helena Bonham Carter), a bruxa má e uma das aliadas de Voldemort. Então se preparem para o futuro!
– (SPOILER – Passe o mouse para ver): O mago das trevas e vilão Grindelwald aperece em Harry Potter num flashback quando ele rouba a Varinha das varinhas, objeto desejado por Voldemort. Grindelwald também aparece numa foto na casa de Bathilda, tia dele em “As Relíquias da Morte parte 1”, quanto nossos jovens heróis vão se esconder lá. O que poucos sabem e que talvez essa história vá se revelar nas próximas continuações é que Dumbledore derrota Grindelwald, mandando para uma prisão impenetrável e é lá que ele morre pelas mãos de ninguém menos que Voldemort.
– Nos eventos de Harry Potter, o livro Animais Fantásticos e Onde Habitam, lançado em 1927, já está em sua 52ª edição.
– O filme se passa em 1926, ano de nascimento de ninguém menos que Voldemort.
– Eddie Redmayne malhou e fez dieta por alguns meses para uma cena que faz sem camisa, mas no final, ela foi cortada do filme.
Ficha Técnica
Elenco:
Eddie Redmayne
Dan Fogler
Colin Farrell
Katherine Waterston
Alison Sudol
Samantha Morton
Ezra Miller
Faith Wood-Blagrove
Jenn Murray
Peter Breitmayer
Dan Hedaya
Carmen Ejogo
Kevin Guthrie
Ronan Raftery
Jon Voight
Josh Cowdery
Ellie Haddington
Ron Perlman
Johnny Depp
Direção:
David Yates
Produção:
David Heyman
Steve Kloves
J.K. Rowling
Lionel Wigram
Fotografia:
Philippe Rousselot
Trilha Sonora:
James Newton Howard