O Farol (“The Lighthouse”)

Robert Eggers que fez o peculiar e já cult “A Bruxa” faz um filme ainda mais estranho. Na verdade, ele fez uma espécie de peça teatral de terror psicológico do século retrasado.

Filmado todo em preto e branco na proporção 1.19:1 (praticamente em formato quadrado ao invés de widescreem), a produção mostra dois faroleiros, um novato interpretado por Robert Pattinson de “Bom Comportamento” e o veterano, Willem Dafoe de “No Portal da Eternidade”. Inicialmente não sabemos seus nomes. Eles chegam designados para um farol numa ilha distante onde devem passar pouco mais de um mês. O isolamento começa a provocar atritos entre eles, enquanto tentam manter a sua sanidade devido a estranhas visões.

O diretor provoca a sensação de tragédia iminente desde o primeiro minuto como se torturasse o espectador, utilizando belíssimas tomadas e jogo de sombras para sempre colocar os personagens em situações claustrofóbicas ou desconfortáveis ao extremo, tornando o ambiente fisicamente e psicologicamente inóspito.

A dupla de protagonistas atua como se estivesse no teatro onde cada fala e cada gesto parece potencializado, seja pelas angulações, closes ou jogos de sombras em iluminações muito bem trabalhadas. Já o enredo tem uma pegadinha que joga a obra entre o céu e o inferno.

Parte do público vai pensar que a partir de um determinado momento, os roteiristas e Robert Eggers (a história foi escrita pelo diretor e seu irmão) tomaram LSD pelos rumos tomados pela narrativa que beiram o absurdo, visto que o próprio formato já não é tão fácil de absorver. Só que a partir do momento em que se entende qual é a visão narrativa que o roteiro coloca, o filme se torna quase genial. Por outro lado, sem essa visão dificilmente será satisfatório ao público. Lá embaixo na parte de curiosidade e spoilers, vou sinalizar qual a pegadinha, mas posso adiantar em que os sentimentos conflitantes são bem parecidos com aqueles que viram “Mãe!” e por motivos semelhantes.

Independente do sentido que o espectador queira dar, as interpretações de Pattinson e Dafoe já podem se enquadrar nas melhores de suas carreiras. A fotografia de Jarin Blaschke, parceiro de Eggers, é quase uma obra de arte; e a trilha de Mark Korven (“Campo do Medo”) reverbera os grandes clássicos de terror em preto e branco.

O Farol” é mais um cult instantâneo que não é para todos, mas mostra uma visão da loucura impressionante, pois consegue materializá-la com mestria na tela.

Curiosidades:

– A dupla de protagonista só se falava durante as filmagens como um processo de atuação. Eles só ficaram amigos de verdade e saíram juntos depois que o filme terminou. Eles inclusive dormiam e faziam as refeições em lugares separados.
– A filmagem em preto e branco demanda uma exposição maior à luz. Às vezes colocavam lâmpadas tão fortes no set que os câmeras tinham que trabalhar de óculos escuros e os atores não conseguiam se enxergar no mesmo ambiente.
– Os atores deixaram crescer as suas barbas de verdade mas Pattinson teve que pintá-la, pois sua cor original não filmava bem com em preto e branco. Dafoe também usou uma prótese dentária.
– Todas as estruturas, incluindo o próprio farol, foram construídas exclusivamente para o filme.
– As tomadas externas na ilha tiveram 90% das filmagens com o clima real sem necessidade de outros artifícios, o que se tornou um dos maiores desafios para a equipe de produção.
– Os dialetos do inglês falado eram peculiares de regiões pesqueiras. O diretor era tão específico depois de ter estudado bastante a respeito que dizia até com que velocidade e entonação os atores deveriam falar.
– Na cena do monologo em que o faroleiro veterano amaldiçoa o novato, Willem Dafoe passou dois minutos sem piscar os olhos.
– A gaivota sem um olho foi interpretada por três gaivotas diferentes adestradas. A falta do olho foi digitalmente aplicada na pós produção.
– Os dois personagens foram baseados na mitologia grega: o personagem de Pattinson é baseado em Prometheus e o de Dafoe é baseado em Proteus, ambos deuses gregos. Inclusive suas histórias no filme fazem vários paralelos às suas respectivas mitologias.

SPOILER – SÓ LEIA SE TIVER ASSISTIDO AO FILME

– A grande sacada do roteiro é que o filme inteiro se passa na visão do faroleiro novato que já vem de um distúrbio psicológico. Como o diretor filmou em terceira pessoa, não é fácil atentar para esse detalhe. Mas basta reparar que todos os absurdos ocorridos no filme derivam de visões, pensamentos ou de fatos ocorridos com o personagem de Pattinson: seu passado sombrio vindo à tona na visão das toras e de um cadáver, a gaivota sem um olho que representa a alma do marinheiro parceiro do veterano que veio a falecer; a vingança de ser chamado de cachorro materializada no último ato, a redenção final com a própria luz do farol que lhe foi negada o filme inteiro, entre muitas outras.

Ficha Técnica

Elenco:
Robert Pattinson
Willem Dafoe
Valeriia Karaman

Direção:
Robert Eggers

Produção:
Robert Eggers
Youree Henley
Lourenço Sant’ Anna
Rodrigo Teixeira
Jay Van Hoy

Fotografia:
Jarin Blaschke

Trilha Sonora:
Mark Korven

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