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É pura poesia urbana. Foi o maior ganhador da edição de 2019 do Oscar, pois foi politicamente colocado na seleção de filmes estrangeiros (México), mas seu diretor o já premiado Alfonso Cuarón de “Gravidade” também ganhou como melhor diretor, além de outras diversas indicações. O filme é baseado na própria vida de Cuarón que foi criado pela sua mãe e a empregada Libo, para o qual o filme é dedicado.
Aqui Libo se chama Cleo e é interpretada pela atriz de primeira viagem Yalitza Aparicio, e a história transcorre num espaço de quase 1 ano entre 1970 e 1971 numa casa de classe média alta. Cleo é empregada dessa grande família e as coisas começam a desandar quando o pai abandona a casa e a própria Cleo tem uma gravidez por acidente.
Aparicio é uma força da natureza. Ela personifica e representa toda uma classe invisível de heróis e heroínas que suportam a classe média com uma doação incondicional aliada a uma ingenuidade como se tudo não fosse esforço para ela. Cativa o espectador e a afinidade só vai crescendo frente a tantas adversidades pelas quais ela passa.
Enquanto isso a condução de Cuarón é imbatível. Difícil lembrar quando a linguagem do cinema foi tão bem explorada assim. E olha que o filme inteiro é em preto e branco! As rimas audiovisuais são um trabalho de mestre, como por exemplo – o mais óbvio – o próprio início e fim da narrativa. As cenas por mais silenciosas que sejam ficam ricas em conteúdo, como a cena da praia, ou quando Cleo apaga as luzes da casa, entre outras.
Mas o melhor é quando a imagem expressa o que as palavras não precisam: percebe-se a maestria da cena do pai entrando com um grande carro na garagem, como se fosse a entrada do rei, porém um rei preso e sufocado dentro de seu próprio lar; ou no treinamento de artes marciais onde apenas se vê uma pessoa conseguindo se equilibrar como se fosse a mais forte de todas; a visceral cena do parte de Cleo toda feita em uma tomada; e ainda o cuidado para revelar aos poucos um integrante particular do chamado Massacre de Corpus Christi que foi reconstituído de forma sensacional.
Chega a ser surpreendente que um filme tão impecável e tão intenso seja uma história intimista, de uma família com seus erros e acertos e de uma heroína tão humana e ao mesmo tempo tão frágil.
“Roma” é tudo isso e muito mais, uma ode aos excluídos, aos heróis invisíveis, dentro de um espetáculo em preto e branco com o lirismo de uma sinfonia, atuações irrepreensíveis e uma condução de quem domina a arte em seu grau máximo.
Curiosidades:
– Na vida real Cuarón era o personagem Paco, um dos filhos.
– Cuarón filmou tudo na sequência cronológica e só dava aos atores a parte do script que eles iam interpretar naquele dia para que eles próprios ficassem chocados e desnorteados com o rumo da narrativa. Apenas o diretor conhecia o script inteiro.
– Libo está viva até hoje. Yalitza Aparicio teve várias conversas com ela, mas a pedido de Cuarón, nenhuma envolvendo o período em que se passa o filme. Por sinal, Libo já fez participações em filmes de Cuarón como “E Sua Mãe Também” de 2001.
– Tal qual sua personagem Cleo, Yalitza Aparicio também não sabe nadar.
– Yalitza Aparicio estava fazendo testes para ser professora, enquanto sua irmá fazia testes para ser atriz. Num dos testes, ela não pode ir e pediu para Yalitza ir em seu lugar. Um ano de audições e Yalitza Aparicio fica com o papel principal de Cleo, tendo competido com 112 aspirantes a atrizes.
– A cena do parto foi feito por médicos de verdade ao invés de atores, para dar mais realidade à cena.
– Mais da metade da mobília da casa da família foi doada por parentes do diretor.
– O título Roma, vem do bairro onde o filme se passa, Colônia Roma, no México. Naquela época esse bairro era eclético onde classes média e baixa se misturavam. Hoje é um bairro mais boêmio e hipster.
– O filme que está passando na cena do cinema se chama “A Grande Escapada” de 1966 e o filme que passa na TV onde a família assiste é “Sem Rumo no Espaço” de 1969. Esse último é proposital, pois foi uma das inspirações para “Gravidade”, também de Cuarón.
– Alguns diálogos entre Cleo e sua irmã é no dialeto Mixtec das tribos de Oaxaca. Ironixcamente Yalitza Aparicio é de Oaxaca, mas não sabe falar Mixtec, pois cresceu na Cidade do México e teve que aprender o dialeto para o papel.
– Primeiro filme preto e branco a ganhar o Oscar em 25 anos desde “A Lista de Schindler”. E primeiro filme preto e branco cujo diretor ganha o Oscar desde “O Artista” em 2011.
– A música que um personagem canta em meio a uma cena de incêndio é de origem norueguesa para o Nyttårsbukk, uma espécie de Halloween do país que ocorre nas vésperas de ano novo. O ator que canta é um professor de línguas que topou fazer essa ponta.
Ficha Técnica
Elenco:
Yalitza Aparicio
Marina de Tavira
Diego Cortina Autrey
Carlos Peralta
Marco Graf
Daniela Demesa
Nancy García García
Verónica García
Andy Cortés
Fernando Grediaga
Jorge Antonio Guerrero
Direção:
Alfonso Cuarón
Produção:
Nicolás Celis
Alfonso Cuarón
Gabriela Rodriguez
Fotografia:
Alfonso Cuarón