Um dos mais celebrados livros do mestre Stephen King finalmente tem sua estréia cinematográfica após o telefilme feito em 1990 onde o grande vilão, o palhaço Pennywise era interpretado por Tim Curry. Quem assume a máscara e a persona da criatura agora é Bill Skarsgård de “Atômica” que faz um belíssimo e horripilante trabalho (no melhor dos sentidos).
Na pequena cidade de Derry é aparentemente amaldiçoada por uma criatura que leva ou come ou mata principalmente crianças. Assumindo várias formas, a principal é a de um palhaço que se auto intitula Pennywise. Quando em plena década de 80 o pequeno Giorgie vira mais uma de suas vítimas, seu irmão Bill (Jaeden Lieberher de “Sob o Mesmo Céu”) junta seus amigos pré adolescentes para procura-lo e começam a ser assombrado pela entidade assassina penetrando em seus mais profundos medos.
Quem ver seu design de produção e contexto em geral vaio se lembrar de cara da famosa série “Stranger Things”. Só que quem influenciou a série foram os livros de Stephen King “It – A Coisa” e “Conta Comigo” (que virou um ótimo filme em 1986) e “Os Goonies” de Steven Spielberg. Inclusive, o diretor Andy Muschietti (“Mama”) caprichou nas referências, além da ótima reconstituição de época, desde os filmes que estavam passando nos cinemas em 1989 (Máquina Mortífera 2, Batman de Tim Burton, A Hora do Pesadelo 5), quanto as músicas (a piada com New Kids on the Block é ótima) e até mesmo utensílios e brinquedos.
A narrativa ainda consegue transitar sem prejuízo entre o terror assustador e largos toques de comédia que não servem para suavizar a tensão, mas peculiarmente para arrancar algumas boas risadas do espectador. E além de ótimos sustos, a produção cumpre muito bem o papel de deixar o público entender que o mal é muito mais abrangente do que simples presença da criatura ao levar as crianças, mas atinge toda a cidade como numa espécie de transe ou ilusão coletiva. Finalmente a atmosfera extende seus tentáculos não só ao foco principal, mas também ao crescimento e amadurecimento das crianças e na dinâmica de suas relações, tendo um escopo bem mais rico e formando um ótimo estudo de personagens.
O elenco está bem calibrado e todos tem uma participação bem equilibrada em tempo de cena (a atriz teen estreante Sophia Lillis é linda e cheia de carisma) e os efeitos especiais estão na medida certa, além da maquiagem irrepreensível do palhaço que traz em si a própria definição do medo.
“It – A Coisa” é uma adaptação que extrai o que há de melhor no livro e inclusive potencializa a história, excluindo partes desnecessárias e bizarras que teriam pouca aderência com a realidade traçada no filme. Terror de primeira.
Curiosidades:
– A origem da coisa nunca é explicada no filme. Havia uma cena, mas decidiram não filmar por questão de custos e porque o conteúdo realmente não agregava tanto assim. De qualquer forma, o livro faz uma viagem ao contar que a coisa na verdade é uma entidade cósmica de milhões de anos que veio do macroverso (exatamente o mesmo descrito em “A Torre Negra“) e caiu na Terra antes do aparecimento do ser humano. Quando o homo sapiens começou a caminhar pelo planeta, mais precisamente pelas redondezas da cidade de Derry, aí sim, ela começou a fazer as suas vítimas. Inclusive colocando homens próximos de seu covil em transe, foi assim que a própria cidade foi construída: para servir de fonte de “alimento” contínuo para ela. Pra piorar, é nesse livro que se descobre que o universo em que se passa todos os livros do Stephen King foi vomitado por uma tartaruga cósmica (por favor, não tentem entender, a não ser que você tenha lido todos os livros do autor principalmente a série “A Torre Negra“).
– Duas passagens bizarras no livro que foram excluídas por motivos óbvios, além de mal gosto e não agregar à trama: numa um dos personagens faz sexo com uma ovelha e se masturba em cima de um bolo de aniversário; em outra no fim da primeira parte, as todas crianças fazem sexo com a Bervely como num ritual para que todos perdessem a virgindade ao mesmo tempo. Recentemente Stephen King em entrevista afirmou que apesar do livro trazer uma descrição bem gráfica das cenas de sexo, ele concorda que vivemos num contexto bem diferente de quando ele escreveu o livro (1986) e que agora o tema é mais delicado a não caberia trazer isso para o cinema.
– O escritor Stephen King passou a década de 80 (uma das décadas mais produtivas em termos de livros para o autor) vivendo na base de álcool e cocaína e era comum ele acordar em cima de seus rascunhos todo vomitado e tendo que reescrever tudo ou ainda andar com um algodão no nariz para não cair sangue devido ao excesso de “cheiradas”. Isso fez com que ele tivesse lapsos de memória e não lembra de muita coisa que escrever. Ele inclusive afirma não lembrar de ter escrito um de seus grandes clássicos, Cujo, em 1981.
– O diretor Andy Muschietti só permitiu que Bill Skarsgård conhecesse o resto do elenco no momento de filmar suas primeiras cenas para tentar dar um tom autêntico de susto. Deu certo: com exceção da atriz Sophia Lillis, todas as demais crianças realmente sentiram medo e foi reportado que uma delas inclusive chorou de verdade numa cena. Ao finalizar as primeiras cenas, Bill Skarsgård sempre ia até o elenco mirim se desculpar caso ele tenha sido muito assustador.
Bill Skarsgård tem leve estrabismo e isso permitiu que o ator fizesse cenas em que os olhos do palhaço olhassem para direções diferentes sem ajuda de efeitos especiais.
– Quem queria dirigir “It – A Coisa” eram os irmãos Duffer, os criadores de “Stranger Things“. Eles inclusive criaram a série numa tentativa de mostrar aos estúdios que eles eram capazes. Quase deu certo: apesar da série ser um sucesso, o cronograma de “It – A Coisa” já estava demais atrasado e Andy Muschietti acabou dirigindo.
– Bill Skarsgård nasceu em 1990, mesmo ano do lançamento do telefilme “It”, sendo que a versão cinematográfica estreia 27 anos depois, o tempo em que Pennywise hiberna para atacar novamente.
– Há uma cena em que uma das crianças está num quarto cheio de bonecos de palhaço. O último à esquerda é uma representação exata em menor escala do Pennywise interpretado por Tim Curry no telefilme de 1990.
– A pintura que assombra Stan foi feita no estilo do pintor italiano Amedeo Modigliani, o qual foi justamente a inspiração do diretor Andy Muschietti para o design da criatura de “Mama”, seu filme anterior.
– Para não prender todo mundo no cinema, não há cena após os créditos, mas apenas o som da risada de Pennywise.
Ficha Técnica
Elenco:
Bill Skarsgård
Jaeden Lieberher
Jeremy Ray Taylor
Sophia Lillis
Finn Wolfhard
Chosen Jacobs
Jack Dylan Grazer
Wyatt Oleff
Nicholas Hamilton
Jake Sim
Logan Thompson
Owen Teague
Jackson Robert Scott
Stephen Bogaert
Stuart Hughes
Direção:
Andy Muschietti
Produção:
Seth Grahame-Smith
David Katzenberg
Roy Lee
Dan Lin
Barbara Muschietti
Fotografia:
Chung-hoon Chung
Trilha Sonora:
Benjamin Wallfisch