Conto medieval com uma leve pegada de terror numa viagem de LSD. Sua produtora, a A24 é especialista em filmes de terror como “Hereditário” e essa história é como pertencesse ao universo de outro de seus filmes, “A Bruxa”.
Mas na verdade o conto do Cavaleiro Verde é uma série de músicas inspiradas nas histórias do Rei Arthur e Lancelot. Inclusive no conto (o filme não fala sobre isso), o protagonista Gawain (Dev Patel de “A História Pessoal de David Copperfield”) seria filho de uma meia irmã do Rei Arthur.
Gawain é um aspirante a cavaleiro, mas que nunca levou suas obrigações a sério, até que na comemoração de Natal do rei, entra num jogo com uma entidade misteriosa denominada de Cavaleiro Verde (Ralph Ineson de “A Tragédia de Macbeth”), onde este oferece uma parte do corpo para ser decepada em troca que daqui a 1 ano, seu algoz faça uma jornada de 7 dias até a capela verde para que o Cavaleiro retribua cortando o mesmo membro.
Gawain decepa a cabeça e se surpreende quando a estranha figura se levanta e vai embora. 1 ano depois, ele, mesmo incrédulo faz uma jornada onde haverá várias provações até o seu destino que pode ser a morte.
O diretor David Lowery de “Sombras da Vida” faz uma abordagem visual diferenciada com grandes títulos e uma dinâmica moderna para uma história medieval, o que logo de início já destaca a execução, apesar de pouco esclarecer o sentido e a construção da narrativa que faz com que o espectador precise de atenção triplicada para entender como cada capítulo da jornada de Gawain se transforma numa provação não cumprida e porque a questão dele não ser cavaleiro é tão importante, sendo que as provações refletem as virtudes que alguém precisa para sê-lo.
Para melhor apreciação o público, além de estar atento, precisa abraçar os delírios do protagonista, pois muitas vezes o filme sai da realidade para a visão do nosso anti-herói seja de futuro, seja de seus próprios medos ou desejos. Esse revezamento entre realidade e fantasia traz uma aura artística seja na composição audiovisual, seja na desconstrução narrativa.
Patel está ótimo como um personagem complexo com camadas de bem e de mal que se completam na formação de sua personalidade até a provação final, bem como um ilustre hall de coadjuvantes que abraçam suas pequenas participações como Alicia Vikander de “Blue Bayou” e Joel Edgerton de “Uma Verdade Anulada”.
“A Lenda do Cavaleiro Verde” deve dividir opiniões, mas é indubitavelmente original seja na história que se propõe contar, seja na abordagem que usa, o que é um frescor para qualquer cinéfilo.
Curiosidades:
– O diretor pensou em fazer o filme enquanto montava um mural na sua casa inspirado no também filme medieval “Willow – Na Terra da Magia” de 1988.
– A narração no início é feita pela voz do diretor com sua esposa misturadas.
– O capítulo sobre Santa Winifred não aparece no poema do Cavaleiro Verde, mas está na tradição junto com os poemas da época.
– No poema original o Senhor da Casa, interpretado por Joel Edgerton é a versão humana do Cavaleiro Verde. No filme isso não fica claro.
– A prostituta Essel, interpretada por Alicia Vikander usa um sininho, pois naquela época prostitutas e doentes usavam um sininho para avisar as pessoas de sua presença, como forma discriminatória.
– No filme o Cavaleiro Verde chega no Natal. No poema original, ele chega na véspera de ano novo.
– Na cena de chegada do Cavaleiro Verde, o cavalo estava tão indócil que o diretor teve que filmar em separado cenas só com o cavalo andando e cenas com o ator Ralph Ineson montado num boneco. Detalhe: Ralph Ineson é um exímio montador de cavalos, mas mesmo assim não conseguiu completar a cena.
– A primeira frase de Gawain no filme é “Eu não estou pronto” e a última é “Eu estou pronto” (em contextos bem diferentes).
– Uma importante diferença entre o filme e o poema original é que no poema Gawain é um cavaleiro e se prova que não teria as virtudes para ser um, enquanto no filme ele não é um cavaleiro e se prova não ter as virtudes para se transformar em um.
– Apesar do filme não ser dito, o poema original revela que a senhora vendada na casa do senhor no último ato, é Morgan La Fay, meia-irmã do Rei Arthur.
– Outro detalhe essencial que o filme não deixa claro são quais as provações pela qual Gawain passa. São elas: amizade, generosidade, cortesia, castidade e piedade. Ele falha em todas:
1. Amizade: ele faz amizade com uma raposa e depois a expulsa.
2. Generosidade: ele apenas dá uma moeda para quem o direcionou à Capela Verde.
3. Cortesia: ele demanda algo em troca para o favor que Santa Winifred pede.
4. Castidade: ele fica com a esposa do Senhor da Casa.
5. Piedade: ele não quer ir na missa de Natal, logo no início do filme.
Ficha Técnica
Elenco:
Dev Patel
Alicia Vikander
Sarita Choudhury
Joel Edgerton
Sean Harris
Kate Dickie
Ralph Ineson
Anaïs Rizzo
Joe Anderson
Noelle Brown
Nita Mishra
Tara Mae
Atheena Frizzell
Chris McHallem
Emmet O’Brien
Brendan Conroy
Donncha Crowley
Barry Keoghan
Emilie Hetland
Anthony Morris
Erin Kellyman
Direção:
David Lowery
Produção:
Toby Halbrooks
Tim Headington
James M. Johnston
David Lowery
Theresa Steele Page
Fotografia:
Andrew Droz Palermo
Trilha Sonora:
Daniel Hart
