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Em 2014, dois filmes parecidos, mas com abordagens bem diferentes foram feitos e ambos são excelentes: um é “O Duplo” baseado na obra de Dostoevsky e o outro é este “O Homem Duplicado”, baseado no livro de José Saramago que muito provavelmente se inspirou em Dostoevsky.
Aqui o diretor Denis Villeneuve volta a trabalhar com Jake Gyllenhaal, ambos de “Os Suspeitos”. O ator é Adam, um professor depressivo que vive uma relação distante com Mary (Mélanie Laurent de “Truque de Mestre”). Um dia ele assiste um filme e vê um figurante igual a ele, o que o surpreende. Indo atrás do indivíduo ele descobre Anthony (o próprio Gyllenhaal), um ator de quinta categoria mas que vive confortavelmente num flat com a esposa grávida Helen (Sarah Gadon de “Relação Mortal” sempre linda). Anthony é o oposto de Adam: ousado e cheio de atitude. Quando os dois se encontram, ambos ficam intrigados com a semelhança e, mesmo tentando se afastar um do outro, seus ímpetos os levarão a consequências inimagináveis.
Primeiramente é importante salientar o quão essencial é a visão de um diretor. Uma história que poderia se posicionada como um drama é imposta por Villeneuve como um tenso suspense numa variante estética que rivaliza com os melhores trabalhos oitentistas de Brian de Palma. A paleta bege depressiva em consonância com a personalidade de Adam e o cenário mais clean que representa Anthony são muito bem mesclados pela fotografia de Nicolas Bolduc (“Outlander: Guerreiro vs. Predador”). Isso se combina à trilha da dupla Saunder Jurriaans e Danny Bensi (“Martha Marcy May Marlene”) e dá uma atmosfera densa e claustrofóbica à trama.
Ainda assim, ficam as perguntas: Os dois são a mesma pessoa? O que são as aranhas recorrentes que aparecem na narrativa, principalmente em seu desfecho? A resposta para essas perguntas suscitam outras dúvidas e o final abrupto pode frustrar o espectador menos atento. Porém há algumas cenas chave, como o diálogo que Adam tem com a sua mãe (Isabella Rossellini de “O Amor Não Tem Fim”) que praticamente dão a resposta, quando ela fala de um antigo sonho de Adam.
Essas e outras perguntas vou procurar responder logo abaixo desta crítica. Para evitar spoilers, você deve selecionar com o mouse o texto para ler.
Gyllenhaal interpreta seus personagens com honestidade e a discrição necessária evitando maneirismos e exageros e dando o tom certo ao seu personagem. “O Homem Duplicado” merece ser apreciado com atenção porque harmoniza elementos estéticos e narrativos onde um complementa o outro e acaba por montar o misterioso quebra cabeças.
Atenção: essas respostas são o meu entendimento, o qual pode ou não está correto.
1) Adam e Anthony são a mesma pessoa?
R: Certamente sim. Quando a mãe de Adam – que é professor – diz que ele deveria para com esse sonho de ser ator, pois nunca ficará famoso, fica claro que foi ele mesmo o personagem do filme que viu, isto é, seu alter ego. Quando ela fala que ele tem uma boa esposa, está falando de Helen e não de Mary. E quando por telefone, ela cita um novo apartamento vazio, é justamente aquele em que ele tem seus encontros com Mary. E o mistério se fecha quando Helen pergunta a Adam (se fazendo passar por Anthony) como havia sido o dia na faculdade. Acontece que sua depressão com o rumo que sua vida tomou deve tê-lo levado a criar uma realidade alternativa em ambas as personalidades. Após o acidente que “mata” seu alter ego, ele acaba aceitando seu destino, mas com resquícios de uma nova válvula de escape quando acha a chave daquele clube erótico visto logo na primeira cena.
2) (Pergunta que revela parte da trama, portanto passe o mouse para vê-la também): Mas se os dois são a mesma pessoa como Mary reclama com Anthony quando este se passa por Adam sobre a aliança que ela nunca tinha visto em sua mão?
R: Essa talvez é a grande sacada do filme. Não há comprovação nenhuma de que Mary seja real. Perceba que ela não interage com mais ninguém na trama, a não seu Adam/Anthony. Mesmo quando ela supostamente vai ao trabalho é sempre sob a visão do protagonista. E ela visita Adam de noite e vai embora logo pela manhã. O fato de ela ser um fruto da imaginação de Adam como sua esposa / amante de Anthony explicaria que ela própria via o personagem como duas pessoas diferentes (com e sem a marca da aliança no dedo). O episódio da briga, seguida do acidente seria a forma da mente de Adam se livrar de seu alter ego, voltando para sua vida “normal”. Mas e a rádio anunciando um acidente na noite anterior? A rádio pode estar anunciando qualquer acidente, isto é, o acidente em si também pode não ter acontecido.
3) E o que diabo são aquelas aranhas?
R: Eu já tinha minhas suspeitas (o que não era nada do outro mundo) e apenas confirmei com algumas pessoas que também viram o filme. Nada mais é que o medo que ele tem da figura feminina claramente dominante em Adam. E este acaba sendo parte do motivo da “criação” do alter ego Anthony. Por isso o aracnídeo vem como uma visão de um monstro andando pela cidade, ou substituindo a cabeça de uma mulher que passa ao corredor, ou finalmente na última cena como se Adam estivesse mais uma vez encarando a vida do jeito que ela é.
Ficha Técnica
Elenco:
Jake Gyllenhaal
Mélanie Laurent
Sarah Gadon
Isabella Rossellini
Joshua Peace
Tim Post
Kedar Brown
Darryl Dinn
Direção:
Denis Villeneuve
Produção:
M.A. Faura
Niv Fichman
Fotografia:
Nicolas Bolduc
Trilha Sonora:
Danny Bensi
Saunder Jurriaans