Ensaio Sobre a Cegueira (“Blindness”, Brasil / Canadá / Japão, 2008)

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O ser humano talvez seja o objeto de estudo mais fascinante que temos. Uma produção cinematográfica que se propõe a um estudo desses tinha que ser tão fascinante quanto. Nosso brasileiríssimo Fernando Meirelles de “Cidade de Deus” e “O Jardineiro Fiel” filma esta história baseado no livro de José Saramago sobre uma cidade que desenvolve uma epidemia de cegueira. No início os doentes são confinados numa espécie de hospital e pouco a pouco desenvolvem seus instintos mais primitivos. O detalhe é apenas uma pessoa ficou imune: a protagonista Julianne Moore (“Pecados Inocentes“).

Tanto o diretor quanto a fotografia de César Charlone mostram a versatilidade sem limites dessa dupla, pois praticamente nos leva à atmosfera da trama, colocando a própria imagem que vemos como um personagem. O elenco também afiadíssimo consegue desempenhos que variam sempre do bom ao espatacular, principalmente de Danny Glover (“Rebobine Por Favor“), Moore e Mark Ruffalo (“Traídos Pelo Destino“). E ainda conta com elementos gráficos fortes como nudez (ai Alice Braga…), violência, inclusive flashes de uma polêmica cena de estupro, cuja a íntegra fora cortada e deverá estar na edição final em DVD.

Meirelles conseguiu reduzir seu filme para duas horas (segundo entrevista com ele era muito mais e fez alguns cortes a contragosto), porém achou seu ponto de equilíbrio. O risco de se reduzir a duração era prejudicar o desenvolvimento dos personagens, já que a situação peculiar e desesperadora em que eles se encontram, trata de muda-los gradativamente e, assim um corte muito brusco poderia tornar esse desenvolvimento inverossímil. Além disso, o filme ganhou mais ritmo e esse foi um bom cuidado para saturar o público. Se fosse mais longo, provavelmente o espectador ficaria entediado.

Interessante como a história se passa num país sem nome e com personagens sem nome. “Ensaio Sobre a Cegueira” se consolida como mais um ponto positivo na carreira de Meirelles, ao mesmo tempo em que traz para a platéia uma experiência original sendo melhor vista na telona do cinema, além de trabalhar muito bem seus personagens e com uma técnica invejável. Quem não ver é cego.

[rating:4]


Ficha Técnica

Elenco:
Mark Ruffalo
Julianne Moore
Yusuke Iseya
Yoshino Kimura
Alice Braga
Don McKellar
Maury Chaykin
Danny Glover
Gael García Bernal
Sandra Oh

Direção:
Fernando Meirelles

Produção:
Andrea Barata Ribeiro
Niv Fichman
Sonoko Sakai

Fotografia:
César Charlone

Trilha Sonora:
Marco Antônio Guimarães

E mais: o amigo e colaborador Rodolfo Marques, publicitário e professor de ciência política, contribuiu com uma ótima crítica, a qual não pude deixar de colocar aqui:

Angústia? Desolação? Redenção coletiva? Várias dessas sensações estão presentes no filme “Ensaio sobre a cegueira“, dirigido pelo brasileiro Oscar Nominee Fernando Meirelles, e baseado na obra do Prêmio Nobel de Literatura em 1998, o português José Saramago. Para este, inclusive, ‘o cinema destrói a imaginação‘, mas, em verdade, Meirelles conseguiu captar a essência da obra literária e fez uma transposição para o cinema com um caráter ousado e original.

Ensaio sobre a Cegueira” não é um documentário nem tem o caráter científico. É um estudo informal sobre a essência humana, sobre o seu comportamento e sobre os caracteres de dignidade de cada um. A direção do filme, se não encanta completamente, está muito longe de decepcionar. Afinal, como pensar a estética e a essência da cegueira para o público comum, que consegue ver?

Ao abordar uma estranha epidemia de cegueira em uma cidade (quiçá latino-americana?), o filme coloca em xeque as reações humanas diante das adversidades: onde estão nossas máscaras? Como lidar diante das suas fraquezas expostas? Como funciona a mente de quem enxergava a desgraça alheia – o caso da personagem da ótima Juliane Moore?

Os expoentes comportamentais mais assimétricos do filme nesta leitura são representados pelo médico vivido por Mark Ruffalo, em ótima atuação, contida e minimalista; e pelo líder do alojamento dos cegos – Gael García-Bernal, em momentos chocantes como a guerra por comida ou o estupro coletivo. O fato é que, apesar de tudo, o processo de desumanização permanece, mesmo de que forma caótica, sob controle.

Ao lado de reflexões sobre o conteúdo, a película também avança muito na variável forma, com uma fotografia oscilante, com olhares (?) misturados em telas brancas, cinzas, escuras… um belo quadro diante da exposição da miséria humana, o escancarar das nossas mazelas quando somos colocados diante de dilemas éticos.

Saí do cinema absolutamente angustiado. Somos todos cegos?

[rating:4]

ELENCO

DIREÇÃO

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