Wagner Moura é Marcelo (até então) que chega em Recife para rever o filho e se manter escondido num condomínio de “refugiados”. Ele vai descobrir que sua situação está cada vez mais complicada.
Nos primeiros atos, não se sabe exatamente o que ele fez ou se o fato de estarmos em plena ditadura (1977) tem algo a ver com a sua situação. Mas apesar da brilhante dinâmica de personagens que se dará no último ato, o filme é menos sobre o protagonista e mais sobre lembranças e memórias, sejam as reais ou fabricadas pela própria pessoa ou por outrem.
Essas memórias são de cada personagem, da coletividade e, inclusive do diretor Kleber Mendonça Filho que parece ter colocado cada ingrediente da sua construção como cineasta nesta bela produção.
A própria história é contada do ponto de vista de uma reconstrução no futuro – o que levará a um desfecho que vem sendo bastante discutido – e quando um personagem escreve que “quase esqueceu” de alguém ou quando outro fala que “tudo o que lembra dessa época foi contado” por outro personagem, é justamente sobre o mesmo tema que estamos falando.
O diretor coloca como um dos simbolismos das memórias fabricadas a tal perna cabeluda numa ótima sequência de terror trash como imaginário coletivo.
Sua paixão por Recife, pelo cinema e pelos cinemas de Recife encontra um vasto espaço de dedicatória, como se um recorte de seu eloquente documentário “Retratos Fantasmas” fosse materializado no meio da história, inclusive com uma cena real praticamente recriada como referência, além das citações de grandes clássicos como “Tubarão” (com um simbolismo especial que permeia toda a história), “Profecia”, “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, entre outros.
Wagner Moura é a força motriz por trás da história, apesar do ótimo elenco e a já citada rica dinâmica de personagens como o Delegado Euclides (Robério Diógenes), os matadores com destaque para Bobbi (Gabriel Leone de “Senna”) e todos aqueles que se entremeiam no caminho de Marcelo para ajuda-lo ou não.
Mas o grande destaque vai para a atriz Tânia Mara que faz a Dona Sebastiana, a senhorinha simpaticíssima síndica do condomínio dos refugiados. No filme é possível ver o elenco se derretendo por ela, inclusive Wagner Moura logo nas primeiras cenas.
Finalmente chegamos ao polêmico desfecho, já que há uma lacuna de história que só pode ser preenchida pela imaginação do espectador. Talvez seja uma estratégia interessante para manter o filme na cabeça das pessoas, já que como não há essa “definição”, mesmo que divida opiniões, fica o tempo e espaço para a discussão, sem que o filme seja esquecido, provando que às vezes o que não se mostra dá muito mais pano para a manga.
“O Agente Secreto” consegue equilibrar elementos globais, regionais e aqueles que vivem na mente do diretor Kleber Mendonça Filho para resultar numa bela história de amor, perda e memórias, com uma textura que tem a marca pessoal do cineasta ao mesmo tempo em que conquista o mundo.
Curiosidades:
- Na cena do jantar no condomínio é possível ver o poster da famosa ginasta Nadia Comaneci que havia alcançado pontuação máxima nas Olimpíadas de Montreal em 1976.
- A perna cabeluda é realmente uma lenda urbana de Recife criada na época.
- A subtrama envolvendo o caso da morte do filho de uma empregada doméstica na casa de seus patrões foi inspirado numa história real ocorrido em Recife em 2020 quando um menino chamado Miguel caiu do 9º andar do prédio enquanto estava sob a supervisão da dona da casa, Sari Corte Real.
Ficha Técnica:
Elenco:
Wagner Moura
Maria Fernanda Cândido
Gabriel Leone
Carlos Francisco
Alice Carvalho
Robério Diógenes
Hermila Guedes
Igor de Araújo
Ítalo Martins
Laura Lufési
Udo Kier
Roney Villela
Kaiony Venâncio
Isabél Zuaa
Thomás Aquino
Jimmy Astley
Luciano Chirolli
Suzy Lopes
Tânia Maria
Direção:
Kleber Mendonça Filho
História e Roteiro:
Kleber Mendonça Filho
Produção:
Emilie Lesclaux
Kleber Mendonça Filho
Fotografia:
Evgenia Alexandrova
Trilha Sonora:
Mateus Alves
Tomaz Alves Souza





