No fim da década de 30, um grupo de pessoas inspiradas por um grande autor alemão, Friedrich Ritter (Jude Law de “A Ordem”) se muda para uma inóspita ilha no Arquipélago de Galápagos e tenta uma nova vida partindo do zero. A dinâmica dos personagens, entretanto, vai se revelar perigosa ao enfrentar os desígnios da natureza, mas principalmente a própria natureza humana.
O filme dirigido por Ron Howard de “Era Uma Vez Um Sonho” é baseado em eventos reais e retrata, como em tantos filmes de experiências sociais de isolamento, como o ser humano, mesmo na melhor das intenções, consegue aflorar o seu pior em meio e extremas adversidades.
O elenco é dos bons: Jude Law arrasa sem roubar o espaço dos demais; Ana de Armas (“Bailarina”) consegue fazer uma vilã detestável; Vanessa Kirby (“Quarteto Fantástico”) dá complexidade e discrição à sua personagem; enquanto Sydney Sweeney (“Observadores”) surpreende no final e Daniel Brühl juntamente com Felix Kammerer (ambos trabalharam no sensacional “Nada de Novo no Front”) funcionam como bússolas morais opostas.
Apesar dos episódios serem muito bem orquestrados, o filme se passa ao longo de 12 meses onde cada estação representa um episódio, sendo que há uma grande lacuna entre cada evento. O problema é que diretor e roteirista tratam dos eventos como se fossem uma escalada contínua, o que não é verdade. Essa cronologia dilui bastante o arco emocional de cada personagem, porém o roteiro se salva no final com – aí sim – uma boa escalada de tensão no, digamos, último episódio.
Com inúmeras licenças poéticas, o desfecho contando o que realmente aconteceu com cada personagem acende a chama que porventura pudesse ter se perdido ao longo da narrativa que se encerra de forma resoluta e contundente.
“Eden” tem uma história (real) muito peculiar e interessante, que é construída de forma fragmentada e problemática, mas consegue voltar aos trilhos com destaque para as ótimas atuações.
Curiosidades:
- Apesar de se passar no Arquipélago de Galápagos, foi todo filmado na Austrália. Apenas a segunda unidade (paisagens, animais) que foi filmado in loco.
- No filme, apenas Ritter extrai todos os seus dentes. Na realidade, ele e sua companheira Dore (Vanessa Kirby) extraíram todos os seus dentes e inclusive compartilhavam da mesma prótese na hora de mastigar comidas duras.
Agora vamos à verdadeira história:
? O Paraíso Selvagem das Galápagos
Na década de 1930, Friedrich Ritter, um médico e filósofo alemão adepto do niilismo e da vida natural, abandonou a Alemanha com sua amante Dore Strauch, deixando esposa e carreira para trás. O casal se refugiou na ilha Floreana, nas remotas Ilhas Galápagos, em busca de uma vida simples, longe da sociedade, vivendo apenas com o essencial, quase como eremitas.
Dore, além de enfrentar o isolamento extremo, sofria de esclerose múltipla, o que tornava tudo ainda mais difícil para ela. Mesmo assim, ela se dedicou à nova vida ao lado de Ritter.
Eles começaram a ganhar atenção da imprensa, especialmente alemã, que passou a retratá-los como uma espécie de “Adão e Eva modernos”, vivendo no paraíso.
? Mais gente chega ao paraíso… e ao inferno
Mas a paz não duraria.
- A família Wittmer, com um casal e o filho, se mudou para a ilha, construindo sua própria moradia e tendo um bebê lá. Eram discretos, trabalhadores e tinham um bom relacionamento com Ritter e Dore, mas não aprovavam a visão filosófica radical deles.
- Logo depois, apareceu uma mulher austríaca excêntrica que dizia ser a Baronesa Eloise von Wagner Bosquet, autointitulada “rainha da ilha”. Ela trouxe dois amantes (simultaneamente) e dizia que ia construir um hotel de luxo.
A Baronesa era expansiva, dominadora, provocadora, e começou a causar atritos com todos. Ela se tornaria peça central do mistério.
? O mistério se instala
Os conflitos aumentavam, especialmente entre a Baronesa e os outros moradores. Então, em 1934, a Baronesa e um de seus amantes desapareceram sem deixar vestígios.
A versão contada pelos Wittmer é que o casal teria saído num barco para Tahiti com um misterioso visitante. Mas nunca mais foram vistos. Nenhum barco foi registrado. Não havia trilhas. Nada. Suspeitas recaíram sobre os Wittmer e até sobre Dore e Ritter.
Pouco tempo depois, o outro amante que ficou para trás morreu em circunstâncias suspeitas de sede e exaustão em uma ilha próxima. Seu corpo foi encontrado múmificado.
E então, em 1935, Friedrich Ritter morreu após ingerir carne contaminada. Dore sempre alegou que ele mesmo cozinhou a carne e comeu, mas há quem suspeite de envenenamento.
? O que se sabe depois
Dore Strauch voltou para a Alemanha e escreveu um livro sobre a experiência: “Satan Came to Eden” (1942), o que inspiraria mais tarde o documentário “The Galapagos Affair: Satan Came to Eden” (2013), com imagens reais da época e narrações com as vozes de Cate Blanchett, Diane Kruger e outros atores.
Dore morreu anos depois, numa instituição psiquiátrica, e os mistérios de Floreana nunca foram solucionados oficialmente.
Ficha Técnica:
Elenco:
Jude Law
Ana de Armas
Vanessa Kirby
Daniel Brühl
Sydney Sweeney
Jonathan Tittel
Felix Kammerer
Toby Wallace
Richard Roxburgh
Paul Gleeson
Direção:
Ron Howard
História e Roteiro:
Ron Howard
Noah Pink
Produção:
Stuart Ford
Brian Grazer
Ron Howard
Karen Lunder
Patrick Newall
Fotografia:
Mathias Herndl
Trilha Sonora:
Hans Zimmer