Em seu primeiro longa-metragem em inglês – “Estranha Forma de Vida” é em inglês, mas foi um curta-metragem – o diretor Pedro Almodóvar fez do limão, uma limonada.
O limão é que a trama, apesar de profundamente existencial é até bem simples: duas amigas se reencontram depois de anos, sendo que uma delas está com câncer e faz um pedido inusitado: que sua amiga possa acompanha-la numa viagem que culminará num suicídio assistido.
Ainda falando no limão, pode-se dizer que apenas a segunda metade do filme foca no tema em si, o que abre espaço para outros elementos que podem ou não contribuir na narrativa.
Diante desse xadrez, a limonada de Almodóvar começa no casting das protagonistas: a andrógina Tilda Swinton (“O Assassino”) é uma espécie de David Bowie do cinema e parece ter nascido para fazer um filme do Almodóvar se destacando desde já como sua primeira musa americana (inclusive era a única certeza de escalação que ele tinha no início). Não será surpresa se ela surgir como indicada a premiações no ano que vem. Ela é Martha, a amiga com câncer, enquanto Julianne Moore (“Segredos de um Escândalo“) é Ingrid, a que se encontra no dilema de acompanhar ou não Martha.
Moore surge como a escolha segura do diretor e, como sempre brilha, até mesmo quando sabe seu lugar, dividindo igualmente o espaço com Tilda Swinton. Sem dúvida quando elas atuam no cerne do tema da produção (a segunda metade), a narrativa salta de patamar.
A outra parte da limonada é preencher os espaços vazios, e isso Almodóvar fez colocando seus elementos narrativos favoritos, como o amor, a traição, as relações não convencionais, tudo que um dia já permeou sua cinegrafia. Ele faz muito isso nos primeiros dois atos através de flashbacks, alguns desnecessários, ou em conversas que tem assunto para tudo, passando por crítica ambiental, social (a segunda cena da academia é ótima), entre outras.
Apesar dele sempre dar um toque de ouro ou uma ótima sacada (por exemplo, a primeira cena do “Isso não vai mais acontecer”), essas pérolas parecem se descolar um pouco do eixo central da trama.
Quando a história engata, a trilha sonora de Alberto Iglesias – já parceiro de longa data de Almodóvar – faz toda a diferença, além do que durante todo o filme, os traços visuais do diretor são inconfundíveis e ainda são poéticos, pois ele confronta muitas das vezes cores vivas falando da morte, como na cena do batom próximo ao clímax.
“O Quarto ao Lado” é poético, profundo e em alguns momentos avassalador. Em outros momentos se deixar levar por um mero exercício narrativo do diretor ao jogar seus temas favoritos para preencher, agregar e até mesmo se descolar do que ele estava contando. Mas tudo conta e tudo vale a pena.
Ficha Técnica:
Elenco:
Tilda Swinton
Julianne Moore
John Turturro
Alex Høgh Andersen
Alessandro Nivola
Esther McGregor
Melina Matthews
Direção:
Pedro Almodóvar
História e Roteiro:
Pedro Almodóvar
Produção:
Agustín Almodóvar
Fotografia:
Eduard Grau
Trilha Sonora:
Alberto Iglesias
