Enquanto há esse rebuliço no Oscar entre a nossa Fernanda Torres e o excelente “Ainda Estou Aqui”, a “marvada” Karla Sofía Gascón e seu quase ótimo “Emilia Perez” (que já contaminou hate em todo mundo, mas é bom sim), e até mesmo correndo por fora Maikey Madison com o fofíssimo pé no chão “Anora”, todo mundo parece ter esquecido de um dos grandes favoritos ao Oscar e vencedor do Globo de Ouro na categoria Filme de Drama, “O Brutalista”.
Muita gente nem entendeu o título, então vamos explicar: O brutalismo é um estilo arquitetônico que surgiu entre as décadas de 1950 e 1970, caracterizado pelo uso de concreto aparente, formas geométricas imponentes e um aspecto cru e austero. O nome vem do francês béton brut, que significa “concreto bruto”, um termo popularizado pelo arquiteto Le Corbusier.
Esse estilo foi muito utilizado em prédios públicos, universidades e conjuntos habitacionais, especialmente na Europa e na América do Norte. O brutalismo buscava uma estética funcional e sem ornamentos, destacando a honestidade dos materiais e da estrutura. Alguns exemplos famosos são o edifício da Trellick Tower, em Londres, e o SESC Pompéia, em São Paulo, projetado por Lina Bo Bardi.
Além da produção ser excelente, há outro motivo para ela ser favorita: é um dos poucos filmes dos concorrentes que tem a “cara de Oscar”, isto é, obedece ao tradicionalismo que geralmente é premiado com raras exceções.
Vamos aos pilares desse tradicionalismo: primeiro o tema, que fala da criação e mistura do povo americano no período pós Segunda Guerra Mundial, onde conhecemos Lazlo (Adrien Brody de “Asteroid City”), um arquiteto brilhante do oeste europeu que, recém refugiado nos EUA com sua esposa ainda presa na Europa, e que enfrenta uma série de obstáculos para tentar se manter.
Até que ele conhece o milionário Harrison (Guy Pearce de “O Dublê”), o qual faz uma proposta ousada, irrecusável e desafiadora para o protagonista. Sua vida conturbada tem reviravoltas ainda mais profundas após a chegada de sua esposa, Erzsébet (Felicity Jones de “Os Aeronautas” que só aparece depois de quase 2 horas de filme).
Assim, ao mesmo tempo que o filme fala de um período geral – a imigração de estrangeiros no pós guerra que iria redefinir o mapa populacional americano – ele também conta uma história bastante pessoal, com a sacada de fazer uma brilhante analogia entre Harrison e os EUA, e entre Lazlo e os imigrantes, com direito a uma cena impactante no início do último ato que praticamente resume a relação do país com esse povo.
Outro aspecto interessante é que em momento algum Lazlo se diz Brutalista ou adepto ao estilo, com exceção onde fica implícito na cena final, a qual não deixa de ser uma reviravolta intelectual.
O segundo pilar da “cara de Oscar” são as escolhas artísticas do diretor Brady Corbet (“Vox Lux – O Preço da Fama”) sobre design de produção, fotografia e trilha que são ousadas, mas sempre dentro de uma linha de raciocínio identificável pelo cinéfilo. Como exemplos, a cena brilhante inicial que termina com a Estátua da Liberdade de ponta-cabeça, ou a maneira como os créditos iniciais passam na tela, ou o caleidoscópio de trilha e dinâmica de imagens próximo ao intervalo, ou finalmente o início do epílogo com uma estética oitentista.
Se você acabou de ler “intervalo” é porque no cinema há um intervalo de 15 minutos para que o público possa se aliviar, já que são 3 horas e meia de filme (dá medo, mas vale a pena).
Finalmente há o elenco digno de Oscar: Adrien Brody promete tudo e entrega tudo, mais uma vez concorrendo a um Oscar como um judeu fugindo do holocausto. A primeira vez foi em “O Pianista” de 2002, onde levou a estatueta. Entretanto, todo o elenco brilha, cada um no seu lugar, com destaque para Guy Pearce que faz seu melhor e mais complexo papel em décadas, e Felicity Jones que consegue um porte físico irreconhecível e tem uma cena toda só para ela que é a cena que a levou a ser indicada.
Com tanto esmero e tempo disponível, foi estranha, no mínimo, a decisão de se ter um epílogo tão rápido sem grandes explicações sobre o que ocorreu na lacuna de tempo entre o desfecho e o capítulo anterior.
“O Brutalista” continua “nas cabeças” para o Oscar e consegue unir a tradição da narrativa preferida das premiações com muitas inovações em estilo e abordagem, além de um elenco que se jogou com tudo, brilhando em seus respectivos papéis.
Curiosidades:
- Para o streaming o intervalo dura apenas 1 minuto, até porque o usuário pode apertar no pause.
- É o quinto mais longo filme a concorrer ao Oscar de Melhor Filme. O primeiro é Cleópatra com 4 horas e 8 minutos.
- A cena do mármore foi filmada onde Michelangelo cravou sua grande obra Pietá.
- Um dos poucos filmes dedicados a alguém que não tem relação nenhuma com o filme em si. “O Brutalista” é dedicado a Scott Walker que faleceu em 2019. Ele foi um compositor conhecido na década de 60 e que fez a trilha sonora do primeiro filme do diretor Brady Corbet, “A Infância de um Líder”. Ambos permaneceram amigos desde então.
- A cena de sexo entre Brody e Jones foi toda feita com dublês e dirigido pelo artista plástico Fastvold. O diretor Brady Corbet apenas aprovou a cena.
- Tanto o diretor quanto a roteirista vem de uma linhagem de família de arquitetos.
***SPOILERS – LEIA APENAS APÓS VER O FILME***
- O destino de Harrison após a cena em que Erzsébet o causa de estupro fica incerto no filme, apesar deixa subentendido que ele se matou. Numa entrevista com o roteirista, ele confirma que Harrison cometeu suicídio afogando-se na fonte que fica fora de sua mansão e isso estava nos primeiros rascunhos do roteiro. O que ele não explicou é porque essa parte foi tirada para deixa o público na dúvida.
Ficha Técnica:
Elenco:
Adrien Brody
Felicity Jones
Guy Pearce
Joe Alwyn
Raffey Cassidy
Stacy Martin
Isaach De Bankolé
Alessandro Nivola
Ariane Labed
Michael Epp
Emma Laird
Jonathan Hyde
Direção:
Brady Corbet
História e Roteiro:
Brady Corbet
Mona Fastvold
Produção:
Brady Corbet
Nick Gordon
D.J. Gugenheim
Andrew Lauren
Trevor Matthews
Andrew Morrison
Brian Young
Fotografia:
Lol Crawley
Trilha Sonora:
Daniel Blumberg