Medida Provisória

É uma adaptação da peça de teatro feita entre 2009 e 2011 chamada “Namíbia Não!” que é uma contundente crítica social que parte de uma premissa peculiar e interessante: num futuro próximo em uma sociedade distópica onde há um racismo “camuflado” (muito entre aspas), o governo, na falta de uma reparação histórica econômica para a população negra, encontra uma solução absurda: mandar todo mundo de volta à África, como se fosse uma espécie de “estar de volta em casa”. O que parecia optativo de início, torna-se compulsório, começando uma onda de violência e explodindo assim o racismo declarado.

Nesse meio é que encontramos os protagonistas Antônio, Capitu e André, vividos respectivamente pelo ainda não tão conhecido Alfred Enoch, a gloriosa Taís Araújo e Seu Jorge de “Marighella” comprovando cada vez mais seu talento e versatilidade em diversos tipos de papel.

Dirigido por Lázaro Ramos em sua estréia, a produção bate e acerta declaradamente em um manifesto antirracista e que, apesar de se basear num texto de mais de 10 anos atrás, ecoa perfeitamente me nossos tempos, provando o quão pouco avançamos nessa questão. Interessante logo no início a crítica feita aos termos que se usam para designar a raça onde, nessa realidade, chamam de “melaninados”.

Taís Araújo se encontra perfeita e seu papel vai crescendo em relevância, até um clímax no terceiro ato em que esbanja talento, enquanto Seu Jorge parece o perfeito alívio cômico sem parecer forçado e também redentor numa emblemática cena que chega a ser poética expondo o preconceito de ambos os lados. Todo esse brilhantismo acaba ofuscando um pouco Enoch, que parece ter sua participação diluída demais para um protagonista.

Já com as vilãs, coincidência ou não, as duas atrizes sensacionais que as interpretam, Renata Sorrah e Adriana Esteves também foram as icônicas vilãs novelescas Nazaré Tedesco de “Senhora do Destino” e Carminha de “Avenida Brasil” respectivamente e aqui dão mais um banho de interpretação.

O diretor, por sua vez, cai em duas armadilhas básicas do gênero. A primeira é narrativa: transpassar a linguagem teatral para a de cinema não é tão simples e talvez Ramos não captou essa nuance em sua totalidade, o que faz o ritmo muitas das vezes ser moroso e com diálogos expositivos demais (algo que funciona bem no teatro). Talvez até seja essa a proposta, mas calha de não acertar no encaixe, com poucas exceções como a belíssima e poética cena já citada sobre como o preconceito pode corroer ambos os lados.

A segunda armadilha, muito típica do cinema brasileiro, é como ser criativo com o baixo orçamento. A produção se limita a pouquíssimos efeitos digitais e muitos que parecem não fazer parte daquela mesma realidade, já que toda a cenografia e design de produção indica uma cidade ou subúrbio qualquer do Brasil presente onde em nada lembra o tal “futuro próximo”. Isso faz os realizadores apostarem demais naqueles diálogos expositivos e quando ensaiam algo mais ousado – como uma breve menção ao tema de “Uma Noite de Crime” – acabam por não desenvolvê-la.

Medida Provisória” acerta no tema e na mensagem, mas comete os erros básicos que o cinema nacional teima em fazer nas últimas três décadas. Ainda assim, vale a experiência.

Ficha Técnica

Elenco:
Alfred Enoch
Seu Jorge
Taís Araújo
Adriana Esteves
Renata Sorrah
Mariana Xavier
Emicida
Aldri Anunciação
Flavio Bauraqui
Paulo Chun
Hilton Cobra
Dona Diva
Jéssica Ellen
Dan Ferreira
Tia Má
William Russell
Pablo Sanábio
Rincon Sapiência

Direção:
Lázaro Ramos

Produção:
Daniel Filho
Tânia Rocha

Fotografia:
Adrian Teijido

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