Taí uma boa tentativa de misturar os clássicos “Silêncio dos Inocentes” com “Se7en – Os Sete Pecados Capitais” dentro do ambiente de “Hereditário”.
Maika Monroe de “A Bala de Deus” é a agente Harker que descobre que tem uma certa vidência e, por isso, acaba entrando num caso que se arrasta por décadas onde um serial killer mata famílias inteiras, mas inexplicavelmente parece nunca ter estado no local das mortes.
O diretor Osgood Perkins faz parte da realeza de Hollywood, pois é filho de ninguém menos que o ator Anthony Perkins que fez o icônico psicopata Norman Bates no clássico “Psicose” de Alfred Hitchcock. Perkins já dirige filmes de terror há algum tempo, mesmo não tendo grande destaque, como em “Maria e João – O Conto das Bruxas”.
Aqui ele usa uma abordagem diferenciada e divide sua obra em 3 capítulos. O primeiro tem muito a ver com “O Silêncio dos Inocentes” onde Harker começa a se familiarizar com o caso. O segundo já se inspira em “Se7en”, pois apresenta uma série de pistas macabras para que a protagonista tente montar o quebra-cabeça. Já a terceira é uma espécie de costura já vinda da cabeça do próprio diretor.
Além da ótima atuação de Monroe, quem todo mundo quer ver é Nicolas Cage como o serial killer, algo que já foi amplamente divulgado. O diretor consegue a proesa de mostra-lo várias vezes durante os dois primeiros atos, mas sempre tão rápido e de determinados ângulos (inclusive logo no início) que o espectador não consegue absorver até que ele seja finalmente revelado em sua magnitude no final do segundo ato (é como se o boneco de “Jogos Mortais” fosse para um baile de Carnaval). Cage aqui joga seus trejeitos e maneirismos em favor do papel, conquistando facilmente o público e protagonizando uma das cenas mais nojentas (no bom sentido) do filme.
O fator “Hereditário” está em toda parte e é a melhor coisa do filme: reparem que praticamente não há sustos, mas uma sensação sempre inquietante de que algo ruim paira bem do seu lado. As cenas são propositalmente feitas para se ter a impressão de que há alguém atrás de uma porta ou janela ou no canto do enquadramento pronto para sair. As cenas de flashback também são bem feitas com uma abordagem visual peculiar onde a tela diminui no passado e volta ao normal no presente.
Por incrível que pareça, com tanta coisa diferente, o último ato consegue cair em erros recorrentes do gênero. Para prorrogar a tensão e o terror, roteiro e direção cometem 3 tipos de erro:
1. Quebra a lógica do filme.
2. Revela informações básicas que deveriam ter sido ditas antes provocando um suspense desnecessário. 3. Manipula o espectador para esticar o mistério com uma cena crucial mal escrita.
(Explicarei os 3 pontos na sessão de spoilers mais abaixo)
Nada disso é capaz de tirar o mérito da construção, mas prejudica o desfecho, principalmente para aqueles espectadores mais atentos.
“Longlegs” tem muito a oferecer aos fãs do terror que muitas vezes se vêem cercados de produções duvidosas, mesmo que, ainda aqui, houvesse alguns espaços de melhoria que não foram aproveitados.
Curiosidades:
- O roteirista e diretor Oz Perkins criou um verdadeiro código para as cartas de Longlegs. O detalhe é que ao traduzí-las há uma série de erros gramaticais. Isso é uma homenagem ao assassino do Zodíaco, cujas cartas encriptadas continha erros assim e dificultava ainda mais a sua tradução.
- Primeiro e, segundo Cage, único serial killer de sua carreira. Ele já atestou em entrevista que só fez porque achou o roteiro sensacional, mas não gosta de personagens com esse tipo de maldade.
- Nicolas Cage e Oz Perkins fizeram o filme em homenagem às suas respectivas mães.
- Há vários quadros de Bill Clinton em sua época de presidente para situar o espectador que o filme se passa nos anos 90.
- No carro de Longlegs há um abridor de garrafa em forma de Capricórnio que é o signo de Harker no filme.
- No início do filme há uma cena em que Harker aparece deitada descalça com os sapatos logo ao lado. Isso foi feito porque Maika Monroe passou o dia inteiro andando e os pés dela estavam doendo, mas não estava no script.
- O diretor fez questão de não mostrar para Maike Monroe como Nicolas Cage estaria maquiado, mas somente quando ela filmasse a cena do interrogatório, fazendo com que a reação dela de surpresa e espanto fosse a mais real possível.
- A trilha sonora é feita pelo irmão do diretor, Elvis Perkins que atende sob o pseudônimo de Zilgi.
***SPOILERS – SÓ LEIA SE JÁ VIU O FILME***
- Quando Harker faz o teste de associar símbolos a palavras, todos os símbolos e palavras fazem referência à trama do filme, principalmente o triângulo invertido que ela chama de “pai”, o que sugere que ela estava sob influência do satanás o filme inteiro.
- Quando Harker entra na casa de sua mãe no final do filme, os 3 ponteiros do relógio apontam para o número 6, uma alusão a 666, o número da besta.
- Há uma criatura em formato negro como uma sombra com cara de bode representando o diabo que aparece 10 vezes no filme e quase todas de forma subliminar.
- O filme não explica, mas Longlegs veio de um poema de 1794 sobre a perseguição aos católicos. Também representa a dualidade do serial killer – o personagem tem pernas longas – e dos bonecos que estão presentes e matam, que tem pernas curtas.
O último ato comete 3 pecados e vou explicar cada um deles:
- Quebra a lógica do filme: Depois que Longlegs morre, a mãe de Harker não teria mais uma motivação para continuar sua cruzada, principalmente depois que ela tira na cabeça do boneco que controla sua filha. Mas ainda assim ela mata uma agente do FBI e ainda vai para a casa do chefe de Harker para o clímax. Nada disso faz muito sentido, principalmente quando ela diz que vai continuar matando, só que quem faz os bonecos é o Longlegs, que já morreu. Outra quebra é o fato de que a polícia nunca acha vestígios de Longlegs, mas a mãe de Harker sempre estava em todas as casas, mas nunc acharam evidências ou testemunhos dela. Essa é uma quebra menor e explicável, mas ainda assim relevante de comentar.
- Revela informações básicas que deveriam ter sido ditas antes provocando um suspense desnecessário: um absurdo o chefe de polícia não se tocar que o aniversário da filha dele é o mesmo de Harker que é dia 14. É uma informação básica que faria toda a diferença no desfecho. Lógico que com ela, não haveria clímax.
- Manipula o espectador para esticar o mistério com uma cena crucial mal escrita: A cena da prisão de Longlegs é ridícula. Ele simplesmente está parado com duas malas e pronto. O motivo de ser assim foi para não revelar que Longlegs morava no porão da casa da mãe de Harker (o homem debaixo das escadas). Mas poderiam ter pensado um pouquinho mais para fazer uma cena prisão mais elaborada e menos tosca.
Ficha Técnica:
Elenco:
Maika Monroe
Nicolas Cage
Blair Underwood
Alicia Witt
Michelle Choi-Lee
Dakota Daulby
Lauren Acala
Kiernan Shipka
Direção:
Osgood Perkins
História e Roteiro:
Osgood Perkins
Produção:
Nicolas Cage
Dave Caplan
Chris Ferguson
Dan Kagan
Brian Kavanaugh-Jones
Fotografia:
Andres Arochi
Trilha Sonora:
Elvis Perkins