“Kneecap” é uma jornada alucinante no mundo da juventude e das drogas, dividindo com clássico cult “Trainspotting” um mérito narrativo e audiovisual ímpar. O problema é que dificilmente deve furar a bolha cinéfila para o mainstream porque compartilha de outro tema que, se na história é bastante relevante, para nós, pobres mortais, é algo quase desconhecido: a crise cultural e linguística que a Irlanda vive desde que acabaram os conflitos armados com a Inglaterra.
Um pouco de história: O fim oficial dos conflitos armados entre Irlanda e Inglaterra (ou mais especificamente, entre a Irlanda do Norte e o Reino Unido) aconteceu em 1998, com o Acordo de Belfast, também conhecido como o Acordo de Sexta-Feira Santa. Este tratado foi um marco histórico, encerrando três décadas de violência conhecidas como The Troubles, um período marcado por conflitos violentos entre unionistas/protestantes (que apoiavam a permanência da Irlanda do Norte no Reino Unido) e nacionalistas/católicos (que queriam a reunificação com a República da Irlanda).
Após o acordo, a violência diminuiu drasticamente, mas tensões culturais ainda existem. A questão do Brexit, por exemplo, reacendeu preocupações sobre a fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda, gerando discussões sobre a possibilidade de reunificação. Em geral, a coexistência pacífica ainda é um trabalho em progresso, e temas como a identidade cultural, as celebrações (ex: paradas protestantes e católicas) e a própria ideia de pertencimento continuam a ser pontos de discussão e, ocasionalmente, de atrito na sociedade norte-irlandesa. É aí que entra a banda rapper Kneecap.
O filme se passa nos anos de 2010 e conta a história real da banda Kneecap formada pelos jovens Móglaí Bap e Mo Chara, ex-traficantes amadores e DJ Próvai, ex-professor do ensino médio que descobriu nesses jovens, letras contundentes criticando a dominação cultural britânica, a violência policial e advogando pelo uso livre das drogas e de sexo, o que logicamente vai por as autoridades na sua cola.
A influência que o diretor estreante na tela grande, o irlandês Rich Peppiatt, teve do mestre Danny Boyle é latente, inclusive com animações gráficas que complementam as cenas e o mesmo senso de humor, cujas cenas são os pontos altos do filme, ao lado dos musicais.
Tal qual “Trainspotting”, o filme também é recheado de músicas, mas a maioria da própria banda, cantadas no irlandês tradicional (gaélico) e inglês, cheias de conteúdo e mensagens. O elenco que é basicamente a própria banda, parece ter se dado muito bem com as câmeras e seu cinismo frente às situações é uma atração a parte. E de bônus ainda tem Michael Fassbender (“O Assassino”) como uma participação mais que especial como o pai revoltado de um dos jovens.
“Kneecap” é uma comédia da vida real eletrizante e que ousa em falar de um tema muito local, mas que deveria ser visto como uma ótima oportunidade de juntar arte e cultura. Experimenta.
Ficha Técnica:
Elenco:
Móglaí Bap
Mo Chara
DJ Próvai
Josie Walker
Fionnuala Flaherty
Jessica Reynolds
Adam Best
Simone Kirby
Michael Fassbender
Direção:
Rich Peppiatt
História e Roteiro:
Rich Peppiatt
Móglaí Bap
Mo Chara
DJ Próvai
Produção:
Trevor Birney
Jack Tarling
Fotografia:
Ryan Kernaghan
Trilha Sonora:
Michael ‘Mikey J’ Asante