Herege (“Heretic”)

O que Ryan Reynolds, Dwayne Johnson (The Rock), Kevin Hart e Hugh Grant tem em comum? Todos interpretam personagens diferentes usando a sua mesma persona, como se todo personagem fosse parte do próprio ator. Por isso dificilmente se arriscam em algum gênero muito diferente daqueles que cada um se consagrou. Até agora.

Pela primeira vez Hugh Grant faz um papel avesso a tudo o que ele já vez como um vilão de terror. Ainda assim, ele usa sua persona, o que torna seu personagem ainda mais interessante, isto é, funciona.

Sophie Thatcher de “MaXXXine” e Chloe East de “Os Fabelmans” são duas missionárias que vão na casa de um senhor, Reed (Hugh Grant, visto recentemente em “Wonka”) para levar a palavra do Senhor. Só que quando estão lá dentro, Reed começa um jogo macabro para desafiar a fé das missionárias que pode ser mortal.

A dupla de diretores Scott Beck e Bryan Woods evoluíram bem desde que fizeram o chatinho “65 – Ameaça Pré Histórica” para esse thriller que tem o desafio de se passar praticamente todo dentro de uma casa e se compor basicamente de muitos diálogos e pouca ação. Assim, a direção é fundamental para construir um nível de tensão que consiga ofuscar o fato de que a dinâmica é apenas teatral.

Nesse jogo de palavras e idéias, vem o roteiro bem cuidado e um elenco que está excelente dentro do contexto. Grant brilha como o aparente inofensivo protagonista e domina toda a primeira parte do filme, inclusive com algumas tiradas bem humoradas que geralmente vemos ele fazer em seus personagens de comédia.

A dinâmica entre os personagens é crível e todas as suas ações tem fundamento sem se aproveitarem de artifício narrativos. A única exceção é uma inexplicável e desnecessária participação de Topher Grace (“Delírios do Passado”) que, além de estar canastrão, tem valor praticamente nulo na história.

O único ponto incômodo do roteiro é o contexto em que o Sr. Reed desenvolve os jogos, algo que não é explorado (desenvolvo melhor na seção de spoilers mais abaixo).

Herege” é uma diversão inteligente que tem como destaque a criação de tensão apenas com diálogos pesados com aroma de torta de mirtilo.

Curiosidades:

  • Grande parte dos argumentos de Reed para desmerecer as religiões são hoax de internet ou teorias não comprovadas.
  • Quem canta a música Knocking on Heaven’s Door nos créditos finais é a atriz Sophie Thatcher que faz uma das missionárias. E o fato da música ser um cover da original do Guns’n’Roses tem tudo a ver com a trama do filme.
  • Ambas Sophie Thatcher e Chloe East foram criadas dentro da religião Mórmon que é a que suas personagens pertencem. Mas ambas não fazem mais parte da religião há anos.
  • O método que Reed usa para criar tensão tem um nome na psicologia: Sealioning. A expressão se refere a um comportamento online em que alguém faz perguntas repetidamente, supostamente de forma educada e curiosa, mas com a intenção de irritar, desgastar ou desacreditar a outra pessoa. Em português, poderíamos descrever como “trolagem disfarçada de educação”, “interrogação passivo-agressiva” ou até algo como “perguntar incessantemente para provocar”. O termo vem de um quadrinho da série Wondermark, onde uma morsa (sealion) ilustra esse comportamento.
  • Quando as missionárias entram na casa, elas tiram o casaco e tiram seus crachás do casaco e colocam na roupa. Porém os Mórmons em particular sempre antam com dois crachás, um no casaco e outra na roupa de baixo justamente para evitar o trabalho.

***SPOILERS – SÓ LEIA SE JÁ TIVER ASSISTIDO AO FILME***

  • O grande incômodo da história é não entender exatamente como Reed operava, isto é, como ele montou seu tabuleiro, inclusive com jovens sequestradas e, ainda assim, nunca foi pego. Aparentemente seu objetivo é aprisionar essas jovens após desafiá-las em sua crença. Mas para estar no nível em que o filme se encontra, isso precisaria ser sistemático e, não parece haver um contexto para isso, muito menos há algum histórico que facilmente deveria ser identificado pelas suas respectivas igrejas (se é que as jovens aprisionadas são da mesma origem das missionárias). Tudo é muito nebuloso é fica um tanto difícil de acreditar que ele sozinho faz isso há tempos e nunca foi pego.

Ficha Técnica:

Elenco:
Hugh Grant
Sophie Thatcher
Chloe East
Topher Grace
Elle Young

Direção:
Scott Beck
Bryan Woods

História e Roteiro:
Scott Beck
Bryan Woods

Produção:
Scott Beck
Julia Glausi
Stacey Sher
Jeanette Volturno
Bryan Woods

Fotografia:
Chung-hoon Chung

Trilha Sonora:
Chris Bacon

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