A história de como o filme “Dias Perfeitos” aconteceu é tão interessante quanto a obra em si.
O ano era 2019 e a prefeitura de Tóquio fez uma série de obras para as Olimpíadas de Verão de 2020. Então veio a pandemia de COVID19 e o evento foi cancelado.
Após a normalidade, a empresa Fast Retailing, responsável pela construção de 9 estações de banheiros públicos para recepção do turismo no evento que nunca aconteceu, contratou o diretor Wim Wenders para fazer um documentário sobre essa empreitada.
Só que, gênio como ele é, viu que poderia haver uma história para contar e então em apenas 3 semanas, ele e o roteirista Takuma Takasaki escreveram o filme inteiro, além de que as filmagens duraram 17 dias somente.
Wenders é daqueles gênios que faz o que dá na telha. Todas as suas obras tem brilhantes referências, mesmo que sejam ruins. E algumas são até chatas demais. Diretor dos brilhantes “Asas do Desejo” e “Paris Texas” na década de 80, nos últimos anos seus trabalhos oscilaram entre o ótimo “Medo e Obsessão” de 2004, o mediano “Estrela Solitária” de 2004 e o fraco “Submersão” de 2017.
Pode-se dizer então que “Dias Perfeitos” é um de seus melhores filmes em décadas e rivaliza com suas grandes obras, além de primar por uma simplicidade ímpar.
A história acompanha Hirayama (Koji Yakusho de “Babel”) que trabalha numa empresa de limpeza e cuida os 9 banheiros de Tóquio feito para as Olimpíadas (apesar de em momento algum esse detalhe ser esclarecido).
Ele quase não fala e tem pouquíssimas linhas, durante toda a projeção, sendo que o ator conta praticamente com suas expressões faciais. Só por isso – e vocês vão ver a força dele – Koji Yakusho merecia incontáveis prêmios de atuação.
A produção acompanha a sua rotina, a qual é maculada por pequenas coisas, mas são histórias dentro de histórias que aos poucos revelam a origem do protagonista.
A obra é quase que puramente contemplativa e o motor propulsor é o senso de rotina, mas também a curiosidade para se descobrir cada vez mais sobre quem é aquele aparentemente simples limpador de banheiros, o que o move como indivíduo, quais são seus sonhos e seus propósitos, porque ele é tão recluso, entre outras questões.
A maioria delas não é respondida no filme, mas deixada à luz da subjetividade que cativa o cinéfilo (mas vamos responder a todas essas perguntas nas curiosidades logo abaixo).
Wendes também escolheu a trilha sonora a dedo, indo de Lou Reed com a belíssima canção “Perfect Day”, passando por “Feeling Good” de Nina Simone, os com os craques The Rolling Stones, Patti Smith, Van Morrison, The Velvet Underground, entre outros.
O desfecho talvez seja um dos mais bonitos feitos por Hollywood em 2023 num misto de alegria e tristeza por tudo o que já se perdeu e aquilo que ainda se pode ganhar, uma luz que no fim de um túnel, pode fazer toda a diferença.
“Dias Perfeitos” é uma jornada humana, complexa, intimista, individual e, por tudo isso, talvez se conecte tanto como o mundo banal que vivemos hoje, promovendo uma ótima reflexão.
Curiosidades:
- Uma das inspirações do diretor foi o clássico japonês “A Rotina Tem Seu Encanto” de 1962. Tanto que o nome do protagonista é o mesmo.
- Os livros que Hirayama lê no filme: Palmeiras Selvagens de William Faulkner, Onze de Patricia Highsmith e um livro que ainda não foi lançado no Brasil chamado Tree(s) de Aya Koda.
- O diretor Wim Wenders faz uma breve participação como um dos clientes da loja de música.
- O nome da loja de música é Flash Disc Ranch e fica em Setagaya City, Tóquio.
- A mulher que canta a música The House of the Rising Sun em japonês na cena do bar é Sayuri Ishikawa, cantora famosíssima no Japão com uma carreira consolidada desde a década de 70.
***SPOILERS – SÓ LEIA SE JÁ TIVER ASSISTIDO AO FILME***
- Em momento algum o filme explicita as origens do protagonista, porém o diretor divulgou em entrevista o background de Hirayama, que foi um texto que ele entregou ao ator Koji Yakusho: o personagem principal era um rico empresário, mas infeliz. Ele se tornou um alcoólatra e drogado. Um dia acordou num quarto de hotel sem saber como foi parar lá, aparentemente tendo feito sexo com alguém. Ele pensou em se matar. Nesse instante, entra pela janela um feiche de luz que chamou sua atenção e quando olhou, viu uma natureza que nunca tinha parado para prestar atenção. Então teve a epifania de que a saída para sua crise existencial seria se transformar em alguém que pudesse prestar atenção nesses pequenos momentos. Ele largou tudo, passou seus bens para a família e foiviver uma vida humilde, no início como jardineiro e daí percebeu que ao limpar banheiros de parques, teria tempo para observar a natureza.
- A namorada de Takashi, amigo de Hirayama, é uma “girl bar”. No Japão há um tipo de prostituição que não envolve sexo (e também não se chama de prostituição). São mulheres que são pagas para fazerem apenas companhia, como se fosse um girlfriend experience” sem a parte do sexo. É uma profissão que não é mal vista por lá e não é considerada como prostituição. Por isso que Takashi fica desesperado em arranjar dinheiro para sair com a garota. Não é para comprar algo para ela ou leva-la para almoçar ou jantar, mas simplesmente para pagá-la pelo seu tempo.
Ficha Técnica:
Elenco:
Koji Yakusho
Long Mizuma
Tokio Emoto
Soraji Shibuya
Aoi Iwasaki
Kisuke Shimazaki
Yuriko Kawasaki
Aki Kobayashi
Bunmei Harada
Min Tanaka
Reina
Direção:
Wim Wenders
História e Roteiro:
Wim Wenders
Takuma Takasaki
Produção:
Takuma Takasaki
Wim Wenders
Koji Yanai
Fotografia:
Franz Lustig