Climax

Um drama performático aterrorizante: talvez seja a descrição mais assertiva que pude fazer do novo filme do sempre polêmico Gaspar Noé (“Love”). Se a icônica cena do banheiro de “Trainspotting” fosse um filme dirigido por Gaspar Noé, provavelmente “Climax” seria o resultado.

Na década de 90, um grupo de dança se reúne para um último ensaio com uma espécie de happy hour depois. Só que batizaram a sangria com LSD e todos começam a ficar doidões. Isso desperta o que há de mais primitivo neles, o que pode levar a consequências irreversíveis.

Mais uma vez o diretor subverte a estética para contar a história: dividido em basicamente quatro atos, ele começa com um depoimento de alguns dos dançarinos sobre suas expectativas com o espetáculo e suas motivações, retratando a humanidade que em breve será perdida com o incidente. Depois passa a um ótimo e ensaiadíssimo número musical ao som do melhor da música eletrônica, pode onde passam desde do mestre Giorgio Moroder até os contemporâneos Daft Punk. Daí o roteiro define as interações entre personagens em diálogos em duplas e um novo número improvisado e performático do elenco (que na verdade são dançarinos profissionais que nunca tiveram experiência com o cinema).

Finalmente uma tomada única de 42 minutos mostra os efeitos devastadores – para alguns – da droga que batizou a sangria; com o último ato para mostrar em flashes o desfecho da maioria dos personagens.

Com exceção do primeiro número musical, a maioria do resto do filme foi improvisado com o elenco sabendo apenas o que deveria fazer, mas não como. E então Noé que domina os efeitos de câmera vai, junto com os personagens, fazendo com que o espectador tenha uma experiência semelhante em estar drogado, fazendo com que a câmera rotacione, fique de cabeça pra baixo, faça closes ou se afaste de acordo do contexto e do momento de cada personagem.

Ele subverte ainda mais a estética apresentando os créditos no meio do filme. Isso junto com a interessante improvisação do elenco / dançarinos traz uma aura teatral interessante à produção, como duas formas de arte que se fundem, trazendo um resultado agradável e inesperado.

Com tantos bons adjetivos, não se engane: o filme é perturbador e nem todo mundo vai aguentar. Sua premissa é justamente a perda da humanidade, o retorno ao primitivo e ao caos por conta de drogas. O cineasta leva isso quase ao extremo nos aspectos de imagem, som e performance. Não é fácil de se assistir, porém sua arte contida é inegável e sua narrativa, onde história e estética tem praticamente a mesma relevância até porque um depende do outro, eleva o patamar da obra.

Climax” é uma arte perturbadora que passa longe do comercial e por isso mesmo deve ser apreciado com todos os sentidos.

Curiosidades:

– A única atriz profissional do filme é Sofia Boutella (“Hotel Artemis”) que foi escolhida como âncora e referência para os dançarinos profissionais contratados. Só que ela também fez dança por 15 anos. Apesar de ser âncora, ela não é necessariamente a protagonista.
– O roteiro de do filme tem apenas 5 páginas. Para se ter uma idéia de como é pouco, em um filme normal, cada página de roteiro costuma cobrir entre 1 a 3 minutos de filme. “Climax” tem 97 minutos. Ou seja, o resto foi pura improvisação.
– Dos 97 minutos, 42 minutos são de tomada única e o inicio de 10 minutos também.
– No roteiro não havia cenas na neve, mas dos 15 dias de filmagem, apenas 2 nevaram e o diretor quis aproveitar a chance para filmar novas idéias na neve, o que fez dela uma entidade importante e uma rima visual improvisada no início e no fim do filme.
– Na cena inicial das entrevistas passadas em VHS há uma série de livros e capas de fitas que contém em seus títulos algumas das inspirações do cineasta para este filme: os diretores Luis Buñuel, Dario Argento e o filósofo romeno Emil Cioran.
– Para preparar o elenco o diretor passou vídeos reais de pessoas expostas às mais diversas drogas dissociativas como metanfetamina, crack, LSD entre outras.
– Comparei “Climax” e “Trainspotting” no início da crítica. Coincidentemente ambos os filmes se passam em 1996.

Ficha Técnica

Elenco:
Sofia Boutella
Romain Guillermic
Souheila Yacoub
Kiddy Smile
Claude-Emmanuelle Gajan-Maull
Giselle Palmer
Taylor Kastle
Thea Carla Schott
Sharleen Temple
Lea Vlamos
Alaia Alsafir
Kendall Mugler
Lakdhar Dridi
Adrien Sissoko
Mamadou Bathily

Direção:
Gaspar Noé

Produção:
Brahim Chioua
Richard Grandpierre
Vincent Maraval
Edouard Weil

Fotografia:
Benoît Debie

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