O cinema da cineasta Andrea Arnold é muito parecido com o do diretor Sean Baker. Tanto que o ótimo “Docinho da América” de Arnold e o premiado “Anora” de Baker poderiam pertencer a uma mesma categoria de linguagem com abordagem visual semidocumental, personagens calcados na realidade com a vida passando por cima de todos.
“Bird” é uma continuação desse estilo e tem em “Projeto Flórida” de Baker, também um paralelo perfeito. É um filme sobre a transição para a adolescência em meio a uma vida e a um ambiente extremamente conturbado.
A talentosíssima e desconhecida Nykiya Adams é Bailey, e basta poucos minutos para fazermos a complexa leitura de uma pré-adolescente sem nenhuma estrutura familiar.
Passado na classe pobre da Irlanda, sua vida se divide entre tentar se enturmar com a gangue do bairro, tolerar as loucuras de seu inexperiente pai Bug (Barry Keoghan de “Saltburn”), e cuidar de seus irmãozinhos. Sua vida muda quando conhece Bird (Franz Rogowski de “Final Feliz”), um jovem aparentemente autista que está na vizinhança em busca de seus pais, mas que guarda um segredo mágico.
Mágica de verdade é a química entre os personagens: Nykiya Adams carrega o filme nas costas, é verdade, mas o elenco está tão entrosado que é como se não existisse ensaio e as coisas apenas fossem acontecendo, o que também faz parte da marca registrada da diretora. Mais uma vez – dessa vez na Irlanda – os subúrbios se degradam na mesma proporção da beleza da alma da protagonista e de seu novo amigo Bird.
A fotografia e os toques surrealistas que a narrativa vai assumindo rumo ao último ato fazem uma analogia necessária à condição de crescimento de Bailey, principalmente daquilo que ela deve tolerar e daquilo que ela não precisa aguentar.
O clímax é ao mesmo tempo brutal e singelo e consegue conectar a realidade com a fantasia e envolver o espectador.
“Bird” é um encanto de produção de uma realidade degradante, mas com as flores da esperança plantadas em todos os lugares.
Curiosidades:
- Há uma piada interna com Barry Keoghan na rápida cena em que ele e sua turma estão escolhendo uma música e alguém sugere “Murder on the dancefloor” de Sophie Ellis Bextor e Bug (Keoghan) diz que odeia essa música. É que é essa música que seu personagem em “Saltburn” dança no final.
- Aliás a piada foi colocada na pós produção, sendo dublada pelos artistas e por isso só é possível escutar enquanto todos estão de costas e a câmera passa rápido por eles.
- A diretora usou cenas do filme no clipe da música Bug (que também é o nome do personagem de Keoghan) da banda irlandesa Fontaines D.C.
- Há uma cena em que os meninos estão cantando numa festa a música Jolly Fucker da banda pós-punk inglesa Sleaford Mods. O vocalista da banda, Jason Williamson, aparece um pouco depois no papel de Fred (que é um personagem emblemático na trama).
Ficha Técnica:
Elenco:
Nykiya Adams
Franz Rogowski
Barry Keoghan
Jason Buda
Jasmine Jobson
Frankie Box
James Nelson-Joyce
Jason Williamson
Direção:
Andrea Arnold
História e Roteiro:
Andrea Arnold
Produção:
Lee Groombridge
Juliette Howell
Tessa Ross
Fotografia:
Robbie Ryan
Trilha Sonora:
Burial