O filme é inspirado na história de Arlindo Barreto, um dos intérpretes do icônico palhaço Bozo, uma franquia americana criada na década de 40 que fez um sucesso tremendo nos EUA e foi exportado para vários países, incluindo o Brasil na década de 80. Arlindo interpretou o palhaço durante três anos e saiu devido a seus problemas com drogas.
Por conta dos direitos autorais da marca Bozo, o nome foi mudado para Bingo e Arlindo foi mudado para Augusto Mendes, interpretado pelo gigante Vladimir Brichta. Brichta, aliás, está incontrolável no melhor dos sentidos, vestindo o personagem com a sua alma e dando um caráter multifacetado que evita rótulos e consegue com que o público acredite nele como pai, ator, palhaço, cafajeste, drogado e de bom coração. Todas essas encarnações entremeiam a maratona de vida que o protagonista imprime em sua mistura de animar as manhãs da criançada, com sexo, drogas e uma irresponsabilidade total perante a qualquer autoridade.
O diretor Daniel Rezende – costumeiro parceiro do mestre Fernando Meirelles como em “360” – fez todas as escolhas de condução acertadas: não rebuscou a narrativa, deixando-a clara para o espectador e com um ritmo constante, além de uma estética invejável que foge do novelesco e gera tomadas belas e inspiradas. Só para citar alguns exemplos, a cena em que Augusto dorme com a câmera focada nele, mas fora de foco outro personagem faz algo extremamente relevante; ou uma determinada cena de despedida com as luzes se apagando; e ainda quando a passagem do tempo e mostrada numa panorâmica que vai de uma janela a outra em prédios diferentes no último ato.
Outro golaço foi a trilha sonora: já que as composições para filmes não são o forte do brasileiro, o diretor junto com o especialista Beto Villares recheou a filme com as melhores balas oitentistas nacionais e internacionais que contam histórias junto com as histórias já contadas no roteiro e com certeza vai animar os trintões pra cima. Além disso, toda a ambientação dos anos 80, de objetos retrô até tomadas panorâmicas digitais da São Paulo dos anos 80 cabem direitinho na reconstituição de época. E finalmente, destaque para a bela e contida Leandra Leal que conquista seu espaço mesmo num papel difícil e fácil de saturar.
“Bingo” traz uma narrativa e estética inspiradíssimas sobre um dos ícones televisivos da década de 80 e tem em Vladimir Brichta o maior trunfo mostrando seu valor como um dos grandes atores que finalmente teve um papel no cinema à altura. Recomendadíssimo.
Curiosidades:
– Ao contrário do que se mostra no filme, sempre mais de um ator interpretou o Bozo. Na época de Arlindo, Luis Ricardo (que até hoje trabalha no SBT) revezava com o colega. Um programa do Bozo já chegou a ter até cinco atores diferentes numa mesma gravação.
– O único personagem que teve seu nome revelado foi Gretchen (interpretada pela muy caliente Emanuelle Araújo) porque a própria Gretchen usou o filme para se autopromover (como sempre).
– Apesar dos nomes trocados, tudo é muito óbvio: TV Mundial = Globo; TVP = TVS (que depois viria a ter o nome atual de SBT – Sistema Brasileiro de Televisão); Garoto Pulga = Papai Papudo, etc.
– A idéia do telefone na verdade foi de Luis Ricardo. Já Arlindo criou o famoso bordão “Dá uma bitoca no meu nariz”.
– No filme, Augusto / Arlindo corta a mão ao bater na televisão. Na vida real foi caindo no boxe do banheiro.
– O primeiro Bozo foi descoberto no próprio Show de Calouros de Sílvio Santos: Wanderley Tribeck. E daí depois passando por Luís Ricardo, Arlindo, Marcos Pajé (que era da banda do Bozo) e outros.
– Sílvio Santos decidiu acabar o Bozo quando em 1991 o ator que o interpretada, Décio Roberto, morreu de toxoplasmose aos 33 anos. Houve algumas tentativas de remake em 2012, mas não foram pra frente.
– Nos EUA, mais de 200 atores chegaram a viver o Bozo.
– O palhaço Ronald McDonalds foi um derivado direto do Bozo, inclusive quando foi criado, o garoto propaganda era exatamente o mesmo ator principal da época que fazia o Bozo.
Veja um vídeo do verdadeiro Bozo:
https://www.youtube.com/watch?v=iOCV45gEgBs
E agora uma ótima piada no making off:
Ficha Técnica
Elenco:
Vladimir Brichta
Leandra Leal
Emanuelle Araújo
Augusto Madeira
Raul Barreto
Pedro Bial
Ricardo Ciciliano
Soren Hellerup
Cauã Martins
Domingos Montagner
Fernando Sampaio
Ana Lúcia Torre
Direção:
Daniel Rezende
Produção:
Caio Gullane
Fabiano Gullane
Fotografia:
Lula Carvalho
Trilha Sonora:
Beto Villares
