O cineasta Sean Baker é conhecido por fazer obras com abordagens quase documentais, onde não há mocinhos ou bandidos, mas sim seres humanos complexos que geralmente sucumbem às próprias tentações ou pessoas inocentes no turbulento dever de crescer, vide ótimo e peculiar “Tangerina” e o maravilhoso “Projeto Flórida”.

Por isso que quero acreditar que entendi a mensagem que ele quis passar em “Anora”, seu longa-metragem talvez mais ambicioso e comercial, mas que – imagino – preserve os elementos narrativos que sempre carregou consigo.

A encantadora Mikey Madison de “Pânico” é Anora é uma garota de programa (ou do “job” como dizem agora), ambiciosa e iludida, como reza o estereótipo, e trabalhando num bordel de luxo. Lá ela conhece jovem russo Ivan (o desconhecido Mark Eydelshteyn) que é bilionário, mas de cara, sabe-se que não tem um neurônio que preste.

Ele a leva para festas e viagens e num impulso de (pós) adolescente a pede em casamento e ela, logicamente aceita, entendendo que pode ser uma saída da vida que leva. O que sua cabecinha não antecipou é que a família russa do moleque não vai deixar barato.

O melhor do cinema de Baker é que nada segue a cartilha de Hollywood: Anora está longe de ser uma Julia Roberts de “Uma Linda Mulher” e definitivamente longe de ser a heroína ou mocinha, já que falta caráter, inteligência e se coloca nas piores situações. Pior é Ivan, um imbecil completo, machista, misógino e covarde, tudo escrito na testa e seria até uma afronta compará-lo com o Richard Gere.

Mas o que chama atenção é a ótima química dos capangas dos pais de Ivan, já que, ao contrário do que se pensam, os brutamontes só querem resolver a situação sem machucar ninguém, que é quando Anora e Ivan surtam. Destaque para um dos capangas, o ainda desconhecido Yura Borisov que vai ganhando espaço no último ato acaba como personagem emblemático, o qual inclusive o levou a indicações a prêmios.

Mais uma vez, o diretor não refresca em fincar o pé numa esfera de narrativa mais real que culmina com um dos desfechos mais emocionantes e subjetivos da temporada de premiações do cinema.

Anora” é uma bela composição de personagens que confrontam uma realidade invariável e também de uma realidade que nos chama para reflexão e com fartas pitadas de bom humor.

Curiosidades:

  • Coincidentemente em português a palavra Anora lembra nora, esposa do filho em contexto familiar, que é justamente o que gera toda a confusão da trama.
  • A cena em que o chefe dos capangas começa a gritar no restaurante foi feita de improviso e a maioria das pessoas eram clientes normais que não sabiam o que estava acontecendo.
  • A desconhecida atriz Lindsey Normington (que faz a rival de Anora) também foi consultora de dança exótica, pois ela é especialista no tema.
  • Para ensaiar as cenas de sexo, o diretor usava da ajuda da esposa, simulando o que ele queria em cena.
  • Karren Karagulian que interpreta o chefe dos capangas está em todos os filmes de Sean Baker, sendo que neste assume o seu maior papel.
  • Ao contrário do que a família de Ivan pensa, pela lei americana, como o anel de noivado foi um presente, mesmo com a dissolução do casamento, Anora teria direito a ele. Por outro lado, ao contrário do que passou pela cabeça de Anora, pela brevidade do casamento, não haveria a menor possibilidade dela ficar com qualquer valor de Ivan ou de sua família.

Ficha Técnica:

Elenco:
Mikey Madison
Paul Weissman
Karren Karagulian
Yura Borisov
Lindsey Normington
Emily Weider
Luna Sofía Miranda
Vincent Radwinsky
Brittney Rodriguez
Sophia Carnabuci
Mark Eydelshteyn
Anton Bitter
Ella Rubin
Ross Brodar
Zoë Vnak
Vlad Mamai
Maria Tichinskaya
Ivy Wolk
Vache Tovmasyan

Direção:
Sean Baker

História e Roteiro:
Sean Baker

Produção:
Sean Baker
Alex Coco
Samantha Quan

Fotografia:
Drew Daniels

Trilha Sonora:
Joseph Capalbo

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