Ainda Estou Aqui

A ditadura militar matou mais de 20 mil pessoas no Brasil e desapareceu com mais centenas, que nunca foram achadas ou identificadas. É bom começar essa crítica com um dado histórico, pois infelizmente muitas pessoas neste nosso momento atual perderam a referência do que é uma ditadura (e algumas, do que é uma democracia), coisa que “Ainda Estou Aqui” retrata com maestria, mesmo contando uma história mais intimista.

Como a protagonista Eunice Paiva atesta, “O desaparecimento é o pior dos crimes, pois mata uma pessoa e condena todos os outros entes queridos a viver sob um terror psicológico” (não foram exatamente essas palavras, mas a mensagem foi essa).

O filme é baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva (que também colaborou com o roteiro), o qual já foi consagrado por seu livro “Feliz Ano Velho” que também conta sua experiência autobiográfica e que, inclusive, também teve uma excelente adaptação para o cinema em 1987.

Nas mãos do diretor Walter Salles (“Na Estrada”), a história vai no âmago de como a ditadura afetou a vida da família de Marcelo, filho de um dos grandes símbolos da luta contra a ditadura, o engenheiro Ruben Paiva, interpretado por Selton Mello (“O Filme da Minha Vida”), que foi tirado de casa pela força policial da época – o DOI-CODI – deixando sua esposa Eunice (Fernanda Torres de “Os Normais”) e filhos à deriva. Eunice então tenta de todas as formas vencer o sistema e provar que seu marido foi preso e talvez possa estar morto pelas mãos dos militares.

Salles consegue dar uma linguagem moderna na abordagem narrativa, mantendo uma linearidade própria do cinema brasileiro, com design de produção alinhado com o que já conhecemos, pois aposta muito mais na história e seu elenco, além da afinidade que se cria por serem eventos ainda tão latentes na nossa cultura.

Toda a reconstituição de época, ambientação e figurino estão impecáveis, inclusive a reprodução de fotos da família tiradas da época quando comparadas com as do filme nos créditos finais é uma atração à parte.

Fernanda Torres merece um parágrafo só para ela, pois a complexidade de seu personagem, junto com o drama em que passa, faz sua performance acima de qualquer patamar de atuação, talvez só se comparando com sua própria mãe, Fernanda Montenegro, quando fez o já clássico “Central do Brasil”, que coincidência ou não, também é de Walter Salles. A atriz tem um excelente apoio de Selton Melo no primeiro ato e de um ótimo elenco coadjuvante, mas ainda assim, carrega o filme nas costas e merece todas as indicações a prêmios possíveis.

Ainda Estou Aqui” é o melhor do cinema brasileiro atual e que, de quebra, relembra ou ensina, uma das partes mais importantes da nossa história, pois, como Eunice diz em citação livre: “se não punir os responsáveis ou deixar passar, a chance de acontecer de novo é imensa”.

Curiosidades:

  • Em Central do Brasil, há 26 anos, a protagonista é Fernanda Montenegro e há a uma participação especial de sua filha Fernanda Torres. Em “Ainda Estou Aqui” é o inverso.
  • Walter Salles era e é até hoje amigo da família Paiva, inclusive durante o desenrolar dos acontecimentos do filme.
  • Também há a menção da família Arraes no filme, que também faz parte da classe artística com o diretor Guel Arraes.
  • Em “Feliz Ano Velho”, Marcelo Paiva conta a história de como lidou com o acidente de mergulho que o deixou tetraplégico. No filme “Ainda Estou Aqui”, o corte no tempo já mostra o antes e depois do acidente, sem mencionar o que houve, porém faz referência ao livro de Marcelo, “Feliz Ano Velho”.

Ficha Técnica:

Elenco:
Fernanda Torres
Fernanda Montenegro
Selton Mello
Valentina Herszage
Luiza Kosovski
Maria Manoella
Marjorie Estiano
Bárbara Luz
Cora Ramalho
Gabriela Carneiro da Cunha
Olívia Torres
Guilherme Silveira
Antonio Saboia
Pri Helena
Dan Stulbach
Thelmo Fernandes
Humberto Carrão
Maeve Jinkings
Carla Ribas
Camila Márdila
Daniel Dantas
Charles Fricks
Helena Albergaria

Direção:
Walter Salles

História e Roteiro:
Murilo Hauser
Heitor Lorega

Produção:
Maria Carlota Bruno
Walter Salles
Rodrigo Teixeira

Fotografia:
Adrian Teijido

Trilha Sonora:
Warren Ellis

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