Este foi um filme rechaçado pela crítica americana que explora e tenta subverter um conceito bastante delicado da cultura americana: o do “negro mágico”.
O conceito de “negro mágico” (ou “magical negro” em inglês) é um estereótipo frequentemente criticado na narrativa cinematográfica e televisiva. Trata-se de personagens negros que, por meio de algum tipo de sabedoria mística ou poder sobrenatural, são inseridos na trama exclusivamente para ajudar o protagonista branco a superar seus desafios, alcançar objetivos ou ganhar uma visão moral. Esses personagens geralmente não têm uma história de fundo própria, sua existência gira em torno do arco do personagem principal, e suas ações são desproporcionalmente altruístas.
Um exemplo clássico é o personagem John Coffey, interpretado por Michael Clarke Duncan em À Espera de um Milagre (1999) que ajuda o protagonista branco interpretado por Tom Hanks.
O uso desse tropo é amplamente criticado por ser uma forma de representação racista e reducionista, uma vez que nega aos personagens negros sua humanidade plena e complexidade. Eles são, em vez disso, tratados como ferramentas narrativas. Além disso, reforça uma dinâmica de poder em que a história gira em torno de personagens brancos, relegando personagens negros a papéis subordinados e limitados.
Daí o filme pega o conceito e o transforma numa mistura de “Harry Potter Afro” com a clássico comédia romântica “Roxanne” (1987) que por sua vez é baseada na peça trágica “Cyrano de Bergerac” escrita pelo dramaturgo francês Edmond Rostand em 1897.
No filme o desconhecido roteirista e diretor Kobi Libii coloca o conceito de “negro mágico” não como um estereótipo cultural, mas sim histórico. Assim, há uma sociedade secreta formados por negros mágicos – e daí mágico tem dupla conotação, já que eles também fazem feitiços – cuja missão é controlar os níveis de ansiedade e emoção da sociedade branca, para que não haja um desequilíbrio que possa provocar uma reação racista desproporcional.
Justice Smith de “Eu Vi o Brilho da TV” é Aren – o “Harry Potter” daqui – que sem querer é contratado para ser o mais novo negro mágico da sociedade. Em seu primeiro caso, ele precisa entender e remediar a ansiedade de um designer dentro de uma empresa de tecnologia, ficando amigo dele. Lá ele conhece Lizzie (a desconhecida e encantadora An-Li Bogan) e se apaixona.
O problema é que ele descobre que parte da ansiedade de seu “cliente” é justamente porque ele também gosta de Lizzie e então fica com a ingrata tarefa de aproximá-los.
A ironia que a produção tenta fazer com esse conceito de racismo fica muito esquisito para ambos os lados, mesmo que, se olhada com carinho, é possível entender a mensagem. Mas o diretor se enrola na hora de criar esse universo, tanto do ponto de vista da própria sociedade, quanto da dinâmica com as contrapartes brancas.
Aliás, o conceito só funciona como ferramenta narrativa para impedir que Aren se aproxime mais de Lizzie, o que seria a melhor parte do filme, não fosse a apatia de Justice Smith que parece muito mais preso do que deveria. Seu personagem, inclusive, fica equivocadamente parecido com o depressivo Owen de “Eu Vi o Brilho da TV”.
Quem salva pelo menos parte do filme é An-Li Bogan com sua apaixonante Lizzie que consegue encantar sem esforço e dar corpo à sua personagem sem artifícios estéticos, e o excelente David Alan Grier de “A Cor Púrpura” que tem um ótimo timing cômico e transita naturalmente entre o bom humor e o drama.
“A Sociedade Norte-Americana dos Negros Mágicos” tem seus bons momentos, mas pegou um conceito muito difícil de explorar e não conseguiu solidificar a sua idéia, apenas melhorando quando enverga para a comédia romântica. Uma sugestão que explorar melhor esses e outros conceitos está em “A Hora do Show” (2000) do diretor Spike Lee.
Ficha Técnica:
Elenco:
Justice Smith
David Alan Grier
An-Li Bogan
Rupert Friend
Mia Ford
Eric Lutz
Kees DeVos
Aisha Hinds
Chase Ryan Jeffery
Nozipho Mclean
Isayas Theodros
Aaron Jennings
Nicole Byer
Drew Tarver
Direção:
Kobi Libii
História e Roteiro:
Kobi Libii
Produção:
Julia Lebedev
Kobi Libii
Angel Lopez
Anne Pages
Eddie Vaisman
Fotografia:
Doug Emmett
Trilha Sonora:
Michael Abels