A Semente do Fruto Sagrado (“Dâne-ye anjîr-e ma’âbed”)

O indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro pela Alemanha é um “filme iraniano” coproduzido pelo país germânico e pela França e que faz uma forte crítica ao regime instalado no Irã, pelo qual passa por constantes protestos e resulta cada vez mais em prisões e mortes do povo que apenas quer liberdade.

O regime político que vigora no Irã é único no mundo por se tratar de república islâmica, onde uma mistura de magistratura e teocracia xiita convive com instituições republicanas, eleições periódicas e um conselho de religiosos que tem a palavra final sobre os temas mais importantes do país. Tudo sob a liderança e o poder de veto do líder supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, no cargo desde 1989. Na prática é uma espécie de ditadura teocrática.

Desde a a morte do então presidente Ebrahim Raisi, aos 63 anos em 2024, os protestos se tornaram cada vez mais intensos.

É nesse cenário que conhecemos Iman (Missagh Zareh), sua esposa Ahjmed (Soheila Golestani) e as filhas Rezvan (Mahsa Rostami) e Sana (Setareh Maleki).

Iman acaba de ser promovido a juiz de instrução, sendo ele quem assina quem deve ou não pegar pena de morte por protestos, não usar jihab, etc, e se encontra pressionado, pois seus líderes querem dar uma lição ao povo através da violência.

Nesse ambiente conturbado, a paranóia tem seu auge quando a arma de Iman some de casa e ele passa a desconfiar que alguém de sua família a escondeu. Parece bobagem, mas a perda dessa arma de trabalho pode acarretar até a prisão de Iman, além da demissão e descredito pela sua repartição, arruinando a sua vida.

Veja que estamos falando de um contexto que vai do macro (a grave situação no Irã) ao micro (drama familiar), sendo todo o caminho de grande relevância para se entender a cultura no país e a dinâmica dentro de uma família, especialmente do ponto de vista do algoz, já que Iman, mesmo que resistente, é quem assina e destina a vida e a morte de várias pessoas.

Só que a narrativa tem problemas sérios que impactam na experiência do espectador: o filme tem quase 3 horas e, para tal, deveria ter um conteúdo que prenda, mesmo que emocionalmente, o público à trama.

Acontece que o diretor Mohammad Rasoulof passa a primeira metade do filme jogando subtramas interessantes de interesse macro que não se resolvem e, lá na frente, vamos saber que todas elas apenas serviram de escada para a trama micro – drama familiar – que aos poucos se revela a principal.

O segundo problema é que, ao desperdiçar seu tempo entre essas subtramas macro, ele não desenvolve melhor os eventos que culminam no problema da arma. Tanto que a motivação é mal construída, a jornada emocional de Iman ao final torna-se brusca demais, além de que fica difícil de engolir a atitude de uma determinada personagem que se coloca como uma mistura de Mcgyver e Freud.

O clímax, que é uma perseguição demora demais e chega a ser engraçado quando deveria ser tenso. Tanto que o final é previsível e só melhora quando volta a falar do macro, que é a crítica social do regime iraniano.

A Semente do Fruto Sagrado” é sim uma peça importante para entendermos o momento cultural de um país, consegue construir um ótimo cenário sócio-político em torno da família protagonista, mas erra feio quando adentra a ela desenvolvendo equivocadamente a jornada de cada um.

Curiosidades:

  • A Semente do Fruto Sagrado faz uma alusão a um regime que se sobrepõe a outro, visto que o mito dessa semente é que ela cresce a partir de uma árvore já estabelecida e seus galhos vão sufocando essa árvore até que só existe a nova cujo fruto é sagrado.
  • O diretor Mohammad Rasoulof foi preso em julho de 2022 por crítica ao regime do Irã e sentenciado a 8 anos, depois de 2 anos de julgamento. 4 dias depois da sentença, em 8 de maio de 2024, ele conseguiu escapar da prisão com ajuda interna e fugiu do Irã, ficando em local desconhecido. 2 semanas depois apareceu no festival de Cannes promovendo seu filme.

Ficha Técnica:

Elenco:
Soheila Golestani
Missagh Zareh
Setareh Maleki
Mahsa Rostami
Niousha Akhshi
Reza Akhlaghirad
Shiva Ordooie

Direção:
Mohammad Rasoulof

História e Roteiro:
Mohammad Rasoulof

Produção:
Rozita Hendijanian
Mohammad Rasoulof
Amin Sadraei
Jean-Christophe Simon
Mani Tilgner

Fotografia:
Pooyan Aghababaei

Trilha Sonora:
Karzan Mahmood

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