A Contadora de Filmes (“La contadora de películas”)

O cinema adora ser homenageado e 90% dessas homenagens vem de Hollywood, até porque acaba sendo uma auto-homenagem, como foi “Mank”, “A Invenção de Hugo Cabret”, “Babilônia”, “Era Uma Vez em… Hollywood”, todos premiados.

Um pouco mais difícil é quando o cinema – e Hollywood – são homenageados por produções de outros países, como no oscarizado francês “O Artista”. Por isso, a surpresa se une com a felicidade em ver esta obra em coprodução da Espanha com o Chile sobre uma família que vive numa mina de salitre no deserto do Atacama e que é apaixonada por cinema, indo todos os domingos, no vilarejo criado para os empregados da mina e suas famílias.

Quando o pai (Antonio de la Torre de “Os Amantes Passageiros”) sofre um acidente e não consegue mais bancar o cinema para a família, a pequena Maria Margarita se encarrega de narrar todos os filmes semanais e sua fama acaba se espalhando por todo o povoado. Com o tempo, a família precisa enfrentar a própria instabilidade e eventos políticos que mudarão o país.

A diretora dinamarquesa Lone Scherfig do ótimo “Sua Melhor História” se reinventa mais uma vez com uma narrativa inspirada no autor Gabriel García Márquez, transformando aquele vilarejo e seus personagens como uma Macondo da vida real e, ao redor da grande homenagem ao cinema, também coloca fortes doses de drama familiar e, lá pelo terceiro ato, uma excelente crítica política que faz lembrar muito o sensacional brasileiro “Ainda Estou Aqui”, quase como numa sintonia perfeita, entre a ditatura de 64 no Brasil e a de Pinochet em 73 no Chile.

O cinema funciona como um personagem dentro da produção que traz todos os tipos de sentimentos aos moradores da mina, tanto na projeção na sua única sala, quanto na narrativa dos personagens ou em suas citações (veja a lista completa dos filmes dentro do filme nas curiosidades).

O elenco está afinado e fica difícil não se emocionar com determinadas atuações, desde Bérénice Bejo (“Sob As Águas do Sena”) como a mãe da família que tem uma participação essencial, passando pela atriz mirim Alondra Valenzuela como Maria ainda criança até a sensacional, apaixonante e ainda desconhecida Sara Becker, a protagonista já quase adulta e praticamente o fio condutor de todas as tramas.

Mas o destaque especial vai para Daniel Brühl (“Nada de Novo no Front”) como o diretor da mina que, mesmo coadjuvante, arrasa em qualquer língua (aqui ele fala espanhol, mas é alemão e fala inglês também) e consegue a simpatia do público, mesmo sendo um personagem dúbio.

Se o roteiro assinado pelo nosso brasileiríssimo Walter Salles nos leva a uma jornada de crescimento e nem sempre com finais felizes, a direção de Lone Scherfig consegue ser singela, sabendo criar ótimas rimas narrativas (as cenas da mão da criança na luz dentro do cinema), um excelente timing para a narrativa em off da própria protagonista, e alguns detalhes geniais como a cena que mostra os filhos crescendo através de uma troca de pratos na mesa de jantar da casa da família.

Alguns aspectos técnicos são impecáveis como a fotografia árida de Daniel Aranyó (“Bird Box: Barcelona”), mostrando a dureza daquela vida ao mesmo tempo que envolve a cidadezinha numa certa magia. Finalmente, o compositor Fernando Velázquez que já nos emocionou esse ano com a trilha de “Meu Amigo Pinguim”, repete o feito aqui com maestria.

Baseado no livro homônimo do poeta e autor chileno Hernán Rivera Letelier, “A Contadora de Filmes” leva o espectador numa viagem mágica a uma vida dura que tem o cinema como a grande conexão entre as pessoas e seus sonhos, mesmo aqueles que nunca se realizarão.

Curiosidade:

  • Os filmes dentro do filme:
    • A um Passo da Eternidade (1953)
    • Glória Feita de Sangue (1957)
    • Quanto Mais Quente Melhor (1959)
    • Se Meu Apartamento Falasse (1960)
    • Spartacus (1960)
    • Bonequinha de Luxo (1961)
    • O Homem que Matou o Facínora (1962)
    • Festival de Viña del Mar (Minissérie de televisão 1963)
    • Os Guarda-Chuvas do Amor (1964)
    • Perdidos na Noite (1969)

Ficha Técnica:

Elenco:
Bérénice Bejo
Daniel Brühl
Antonio de la Torre
Sara Becker
Alondra Valenzuela
Joaquín Guzmán
Santiago Urbina
Elian Ponce
Francisco Díaz
Beltrán Izquierdo
Alfred Borner
Simón Beltrán
Max Salgado
Pablo Schwarz

Direção:
Lone Scherfig

História e Roteiro:
Rafa Russo
Walter Salles
Isabel Coixet

Produção:
Adolfo Blanco
Vincent Juillerat
Andrés Mardones
Manuel Monzón

Fotografia:
Daniel Aranyó

Trilha Sonora:
Fernando Velázquez

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